28/04/2012

A batedeira

Hoje já nada se fabrica para durar muito tempo... se o guarda-chuva tem uma vareta partida, vai para o lixo, mas eu ainda tenho memória da infinidade de guarda-chuvas que o meu avô arranjava nos tempos livres... Os sapatos! "Recauchutavam-se" e duravam mais um ano. Hoje, não. Duram uma estação e depois desfazem-se, descolam-se, perdem forma e cor. Nada a fazer...
Cá em casa as coisas até tiveram sempre um período de vida relativamente longo. Tivemos sorte. E também tratávamos as coisas com jeito. A minha mãe mantém tudo limpo e arrumado; nunca desliga as fichas puxando pelo fio e segura sempre a tomada, para que não se solte. Limpa muitas vezes os filtros do exaustor e do aspirador; frigorífico e congelador são limpos a fundo pelo menos duas vezes ao ano. Nunca ficam migalhas do pão na torradeira e não se aquece nada no micro-ondas sem estar tapado.
Mas houve um acontecimento, ou coincidência, engraçado... No ano em que a minha mãe finalmente decidiu pedir o divórcio do meu pai, tudo... repito: tudo cá em casa começou a avariar fatalmente. Ele foi a máquina de lavar a roupa, a máquina do café, o grelhador eléctrico, a torradeira, a picadora, a varinha mágica, o aspirador... Nem sei o quê mais... Num curto espaço de tempo, as coisas foram, uma a uma, dando o berro... Na altura, a brincar, até dizíamos que era praga lançado por ele, por termos ficado com a casa.... "Ficado", é como quem diz. A minha mãe teve que lhe dar em dinheiro metade do valor do apartamento e recheio...
Enfim... foi tudo pró catano... Excepto a batedeira. Hoje olhei para ela de forma consciente, enquanto lavava as varetas pela milionésima vez, depois de ter ajudado a minha mãe a fazer uma mousse de ananás.
A batedeira, que tem escrito na caixa, a caneta azul,

data venda
19/03/88

E a assinatura do vendedor. Esta batedeira chegou à minha casa antes de eu ter um ano e meio. E foi com mãozinhas pequeninas que a segurei pela primeira vez... nem tenho memória disso. Sei que ficava a ajudar a minha mãe a bater os ovos, na esperança que no fim ela me deixasse rapar os restos com o salazar. "Chama-se salazar porque rapa tudo, e o Salazar também era um homem muito poupado... Bate bem no fundo, não levantes a batedeira...", dizia-me ela. Hoje já não preciso de ouvir esses conselhos. Sei-os de cor. Bato claras em castelo bem firme em três tempos. E continuo a chamar o salazar de salazar, embora nas cozinhas fora de casa ouça chamá-lo "rapa". "Passa-me aí o rapa"... Tem alguma graça...?

Esta batedeira é um achado, em tesourinho. Feito para durar uma vida. Ou boa parte dela. Já não se fazem assim...

23/04/2012

Tudo o vento pode levar

Onde vais, vento? Para onde corres apressado? Se ao menos eu pudesse ir contigo...
Aqui, cercam-me... E eu desiludo.
Eu posso ser agradável, posso ser meiga e querida, sei ser amiga e desejável... Mas que não me peçam que o seja sempre. Que não me cerquem. Vou desapontar. Vou revoltar-me e libertar-me grosseiramente dos laços de todos...
Que aceitem o que dou. Que não esperem mais.
Se não, peço ao vento que me leve.

21/04/2012

"A Rainha Branca", de Philippa Gregory

Há pouco tempo li "A Rainha Vermelha". Sabia que haveria qualquer ligação entre essa Vermelha e esta Branca mas não imaginei que fosse tão próxima. Na verdade, os dois livros contam a mesma História, a mesma época: a Guerra Entre Primos, que foi um tempo conturbado na Inglaterra do século XV. Os mesmos acontecimentos vistos por duas mulheres notáveis e rivais.
Se a Rainha Vermelha na altura não me despertou grande simpatia, por se tratar de uma mulher mesquinha, obcecada e calculista, a Rainha Branca soube ser exactamente o oposto: uma mulher apaixonada mas dedicada sobretudo ao marido (Rei, é certo, mas sobretudo marido), aos filhos e à sua família de origens humildes.
É fantástica a capacidade da autora de relatar os mesmos factos visto pelos olhos de duas mulheres que se odiavam e não ser em momento nenhum repetitiva ou maçadora... Gostei tanto...!
Adoro romances históricos, e as histórias ligadas à época da Guerra Entre Primos e, mais tarde, os Tudor, enchem-me as medidas!
É um romance clássico, de uma moça que foi encontrada por um príncipe à beira da estrada, que o encantou e que pagou um preço demasiado elevado em troca de um amor régio.

16/04/2012

Escrevo o que não digo

Eu não sei dizer a ninguém o quanto gosto dele/a... Mas gosto de o escrever.
Não é por uma especial inaptidão para olhar alguém nos olhos e confessar uma admiração ou dependência... ...Também é isso, um pouco... mas é principalmente porque, quando olho alguém nos olhos, tudo o que essa pessoa é está ali materializado à minha frente: as tais virtudes e seduções, mas também, incontornavelmente, os defeitos e tiques, as baixezas e niquices... E eu, embora tente ver para além delas, não consigo ignorá-las!!!
Por isso, eu prefiro escrever... Porque quando escrevo tenho apenas uma recordação, uma projecção idealizada e filtrada. Na minha memória, as pessoas são perfeitas. Nela eu vou buscar razões para dizer, sem restrições "Gosto tanto de ti!".

Além de que, inexplicavelmente, quando faço uma confissão destas, sinto medo que soe falso, como bajulação ou graxismo... Paranóias.

14/04/2012

O Pedro

O Pedro é um sonho.
É um sonho de pele morena e pestanas longas e curvas. O cabelo é preto e farto. As sobrancelhas também.
É um achado, um ponto brilhante no meio daquela juventude destravada e irreverente.
O Pedro tem uma educação irrepreensível, uma graça admirável e uma voz sonante, grave, deliciosa.
Tem piadas sãs e um sorriso límpido...
Hum... o Pedro ajudou a minha tarde a ser bem passada. E nem imagina... =)

12/04/2012

"A História de Edgar Sawtelle", de David Wroblewski

Nheeeee....
Acabar este livro foi algo penoso, devo confessar... Despertou-me a curiosidade a beleza da capa, as críticas positivíssimas (a Oprahdiz que é tudo o que se pode desejar num livro!!!), algo na sinopse... Mesmo tendo lido opiniões de leitores em blogs que diziam menos bem do livro, usando palavras como "desilusão" e "arrasta-se", mantive-me na minha e portantos cá venho agora, de orelhas baixas, reconhecer que já li livros (muito, mas muito) melhores...
Sim, é interessante e envolvente ler as partes dedicadas à descrição dos treinos dos cães Sawtelle... Sim, a paisagem descrita, o Wisconsin ermo, gelado e selvagem, ajuda a nossa imaginação a viajar... Mas acho que é tudo. Não entendo algumas das personagens. Não percebemo as suas personalidades e motivações, os seus caprichos e histórias. A acção rasteja, morosamente, a ponto de me fazer questionar "mas afinal qual é a história propriamente dita? A trama? A motivação para virar a página uma e outra vez...?" Não há. Andamos ali meio perdidos à espera que algo aconteça... Vem a acontecer muito lá para o fim, mas é mais o que fica por dizer do que o que é dito, não é claro, não é revelador... É como uma telenovela da qual perdemos alguns momentos enquanto íamos à cozinha vigiar o fogão onde estamos a preparar o jantar. Já para não falar do fim, que é algo despropositado e insatisfatório... Além de que não consegui gostar da escrita deste autor. Usa comparações e metáforas que não lembram a ninguém... Expressões que, parece-me, pretendem ser originais mas caem um bocado ao lado... Enfim... Vou tentar livrar-me do livrinho quanto antes!!

08/04/2012

Páscoa

E eis que a Luz se renovou, numa mensagem de esperança e encorajamento, num reforçar da perseverança e da Fé.
E eu estou Iluminada! Estou toda em labaredas... O dia começou ligeiramente pior do que seria suposto, é o que dá estar a trabalhar em dias santos... Mas estou Iluminada. Estou on fire.
Somos chamados por Ele de formas pouco convencionais, através de vozes estranhas e gestos difíceis de reconhecer. Mas hoje, porque tudo é Luz e os sinos tocam a todo o momento e tudo se veste de branco para celebrar a Vida, é mais fácil percebermos a presença do Espírito... Ou talvez seja apenas eu que, por estar Iluminada, tenho a mania que vejo sinais em todo o lado... =)
Páscoa Feliz para todos! ...a Cruz continua lá, mas está agora adornada de raios gloriosos de Ressurreição!

06/04/2012

No trabalho...

...quando estou na vigilância da exposição em vésperas de feriado... Sim, exposição. Trabalho num museu. E sim, faço também vigilância, onde tenho que andar a perseguir desenfreadamente os visitantes... para garantir que têm um acompanhamento, em caso de dúvidas, ou uma traulitada na cabeça, em caso de gostarem de ver com as mãos...
Dizia eu, quando estou na vigilância em vésperas de feriado, que costumam significar montes de gente a entrar a toda a hora, obrigando-me a ficar por longos períodos a circular por lá com ar de quem está de facto a fazer algo de muito interessante e criativo, ou a estudar, ou a examinar as peças... Tudo menos ficar de olhar colado nas pessoas, como acontece nas lojas dos chineses. Odeio. Quando sou olhada dessa forma, fico a pensar se terei ar de terrorista, portanto, não quero incutir essa sensação de desconforto nas pessoas...
Então, pela terceira e última vez, quando estou na vigilância em vésperas de feriado, eu comporto-me como se estivesse numa festa... onde eu sou algo próxima do anfitrião. Vou circulando pela sala, com um meio sorriso nos lábios e nos olhos. Só meio porque, se fosse completo iria parecer uma tolinha; se fosse ausente de todo, iria parecer hostil. Meio sorriso no rosto, vou circulando lentamente, parando para observar algum pormenor  em algum objecto, cumprimentando polidamente as pessoas, oferecendo-me para tirar dúvidas aos velhinhos (já disse aqui que adoro velhinhos!), perguntando aos mais pequenos se sabem o que é isto ou aquilo, para que aprendam de onde vieram e que os museus não são uma seca... Entabulando uma conversa de 2 minutos acerca de alguma curiosidade, ouvindo com genuíno interesse as experiências e conhecimentos que as pessoas estão dispostas a partilhar...
Enfim, o truque para aguentar horas de pé, dentro do mesmo espaço a ser constantemente invadido por pessoas desconhecidas é este: atitude de recepção/evento/festa em que somos próximas do anfitrião. Aprendam comigo. Vão ver que ajuda.

03/04/2012

Reposteiros

Já não se vê reposteiros em lado nenhum... Excepto naquelas casas onde têm lugar actividades obscuras... e, ironicamente ou talvez não, em algumas igrejas.
Guardiões da luz e do som; propiciadores de um retiro de intimidade.
Privacidade numa barreira de veludo ou damasco pesado e opaco. O meu Eça refere muitas vezes a atmosfera acolhedora por detrás de um reposteiro.
Já ninguém usa reposteiros. Já ninguém liga àquela ilusão de distância. Preferem-se as paredes insonorizadas e os vidros fumados. Prefere-se o frio industrial à poesia quente do tecido.
Já ninguém sabe o que são reposteiros.
Eu gosto deles. Gosto até do cheiro a pó que emanam... Gosto da diferença de temperaturas entre o lado de dentro e o de fora... Gosto de imaginar um beijo enrolado no reposteiro...