Sábado de Aleluia, a Missa da Ressurreição. Há anos, tantos anos, que gosto deste dia. Gosto da missa looonga, com a benção do novo Sírio, como que a renovação da Luz no mundo, mais as muitas leituras, mais a benção da água na pia baptismal, que lava os pecados... Quase todos os fundamentos da Fé Cristã numa cerimónia de pouco mais de hora e meia.
Há já muito que não visitava a Igreja, as poucas vezes que vou agora à Missa, faço-o na Capela, aqui mais próxima.
Mas ontem, em vez daquela cerimómia gloriosa que me enchia sempre de esperança nos dias longos da Primavera, que me tirariam do meu estado depressivo de Inverno, tive uma introspecção triste. A voz do senhor Padre, já tão próximo dos 90, já nao conduz as orações e os cânticos com a mesma força. O grupo coral depenado e velho, onde vejo a falta de pessoas que admirava tanto, que me acarinharam tanto, uma principalmente, que neste momento sofre em casa as fase mais difícil dessa doença sacana e cobarde que é o cancro. Aquele órgão onde agora se senta o desgastado maestro, já eu toquei na galhofa, com os amigos do grupo de jovens, quando ainda éramos tão jovens, tão puros... O que foi feito de nós? Estamos espalhados pelo mundo, alguns desiludiram, alguns magoaram, poucos ainda conheço. Mas tantas foram as horas que passámos ali, sob o olhar das imagens dos santos, em reuniões, debates do catecismo, da Missão, do que era ser Cristão e jovem no nosso tempo, do que faríamos para fazer a diferença. Tantas vezes as nossas vozes encheram de cânticos aquelas paredes de pedra. Aquele chão de pedra, que foi percorrido pelos pés e pela cauda dos vestidos das amigas noivas que ali vi casar e me comoveram por poder testemunhar o seu conto de fadas. O mesmo chão onde assentaram os caixões de quem ali velei, poucas vezes, felizmente.
Dei por mim a pensar que estamos noutro tempo, todos nós. Mais velhos, sim. Mas isso nem é o pior. O que me doeu foi ver o quanto fomos ali felizes, o quanto aquelas paredes em tempo foram pequenas para conter toda a nossa energia, que irradiávamos para fora, para o mundo. Cedi à tentação de pensar que já vivi o meu melhor, que nao poderá haver dias melhores do que aqueles, risos mais sonoros do que os nossos e pessoas mais bonitas do que aquelas, e que eu nunca mais serei tao jovem.
Sei bem que não. Os dias são o que fazemos deles e eu fiz dos meus as escolhas que na altura me preenchiam. E prova disso é que, se hoje voltasse atrás, provavelmente faria o mesmo.
Ontem, a minha querida Missa da Ressurreição foi conspurcada pelas minhas ideias saudosistas. E desconfio que os dois cabelos brancos que há tempo descobri têm alguma coisa a ver com isto.