As coisas que as pessoas dizem constituem uma parte pequenina daquilo que ouvimos. O resto, a maior parte, é constituído por aquilo que o nosso entendimento lhes acrescenta.
Hoje, acompanhada do meu livro a apanhar sol no cais, um casal velhinho, que não conheço, passou junto a mim e a senhora saudou-me alegremente dizendo: "Assim é que está bem, sozinha... A ler, a meditar...". Olhei e sorri-lhes enquanto passavam e fiquei com aquelas palavras a retinir... Eu estava, de facto, bem, ali sozinha. Estava a ler. E ia fazendo uns pequenos intervalos para me permitir meditar no calor do sol, no burburinho do rio, na alegria do cão que se atirava à agua uma e outra vez em perseguição dos patos. Ali é que eu estava bem.
Mas, na verdade, a minha mente interpretou as palavras de outra forma. Da forma que reconhece que, mesmo que quisesse, naquele momento, eu nao poderia estar senão sozinha. Que estou sozinha, de facto, agora que ninguém partilha a sua existência comigo.
E dei graças por ter vindo apenas esse pensamente triste, em vez do ominoso e sentencioso "aí é que estás bem, sozinha, porque não sabes ser de outra forma e é isso que mereces e é assim que hás-de continuar".
A amorosa senhora não teve noção que, se a imaginaçãome tivesse batido para o lado errado, eu poderia ter-lhe sorrido e, a seguir, ir para casa para cortar os pulsos... Perdoem-me o exagero, mas espantei-me verdadeiramente com a constatação de que, mesmo nas palavras dos outros, é apenas a nossa consciência que ouvimos. Por isso, cuidemos dela com amor e dedicação, para que ela nos cante, em vez de nos condenar.