30/12/2012

Para o novo ano...

"São as casas mais grandiosas e as árvores mais altas que os deuses deitam abaixo com raios e trovões. Porque os deuses gostam de contrariar o que é maior do que o resto. Não suportam o orgulho, a não ser em si próprios.", em "A Regra de Quatro"
 
Que, contra todos os vaticínios, o Amanhã não nos amedronte. E que não tenhamos medo de nos levantar. Não queiramos pôr-nos em bicos de pés, usar plataformas elevatórias ou subir degraus casuais. Sejamos apenas capazes da humildade de andar direitos e que, dessa forma, tenhamos a altura de que somos dignos e o reconhecimento correspondente.
Feliz ano novo para todos!

24/12/2012

A soothing song

Calma, pequenina...
Tudo passa. Não há mal ou terror que sempre dure, nem as horas negras que se arrastam na noite demorarão indefinidamente... Dá mais uma volta, respira fundo, controla os batimentos desvairados do teu peito e abdomen, acalma os tremores que te desassossegam pernas e braços... Respira e diz para ti todas as palavras confortantes que precisas ouvir... Convence-te do teu Poder. Acredita nele. Acredita na força da tua vontade, na absoluta certeza de que um "não" pronunciado pelos teus lábios tudo pode acalmar.
Ninguém te persegue, ninguém te fustiga... Não temas. Não temas agressores e, sobretudo, não temas o que te querem bem. As palavras amáveis, os gestos grandiosos e os sorrisos reconfortantes não precisam ser "pagos". Eles são-te dados gratuitamente e basta sorrires-lhes para que o dador se sinta recompensado. Não temas, não osciles sob um peso que te convenceste que tens que carregar.
Não penses demais.
 
Eu sei... Eu sei que não funciona assim. Que é doloroso. Fisicamente doloroso. E que o medo do imprevisto é esmagador. E que, para o escorraçares, tentas prever todas as situações possíveis, o que é esgotante. Eu sei que não existe um botão de desligar. Eu sei que quando dás por ti já estás a ser sacudida, sem aviso ou hipótese de recuperação, por um vendaval que te absorve toda a sanidade e dilui as proporções do mundo real. E és enorme e têm um peso maciço todos os teus gestos, todos os aspectos ridículos da tua existência, bem à vista de todos... Oh, poder ser invisível...!
Outras vezes, és minúscula, e o mundo dança a um passo que não és fisicamente capaz de acompanhar... Uma intensiva mascarada que te suga a energia e te cansa os músculos da cara.
Porque é que tão poucas vezes te sentes do tamanho certo??
 
Não temas a noite, não penses que o desassossego escolhe a hora em que te recolhes, indefesa, para te vir incomodar... Nem temas o dia, não fujas da luz nem das pessoas que ela traz...
Tem confiança em ti, pequenina. Não fujas das felicitações, elogios ou abraços que vês virem na tua direcção... Não te vão magoar, nem virar contra ti no último instante.
Olha para ti. Estás um ano mais velha. Sentes a idade que tens?

18/12/2012

Metamorfose

...aquela vontade que dá de ousar. De "seguir a minha estrela". De telefonar. De ir. De dizer. De abraçar. De me perder.
 
Depois acordo do devaneio, no dia seguinte, e sinto o peso do que não aconteceu, do que não fui... e respiro agradecida pela minha falta de impulsividade. Como se a noite anterior tivesse sido uma metamorfose, alguma Lua que me deu, desvarios de uma imaginação recheada de histórias de terceiros roubadas de livros e filmes... Como se à luz do dia eu não pudesse suportar a farsa que a noite me inspira.
Então rastejo a minha rotina diária e, à noite, acorrento-me à rocha firme que é a certeza de que o que farei se der asas àquela inspiração insana se voltará contra mim no dia seguinte...
 
Quantas noites mais me atreverei eu a ser igual?
 

12/12/2012

The Words - As Palavras

Este é uma daqueles filmes extarordinariamente simples, tão leves e despretensiosos, que começamos a ver numa de "a ver o que sai daqui", e aos 6 minutos já estamos completamente agarrados...
Eu tenho muito a mania de falar na primeira pessoa do plural, porque acho (oh, doce egocentrismo) que toda a gente vai ter a mesma reacção e opinião que eu.



O filme é belíssimo. O trailler levanta uma pontinha do véu... mas só vendo. Só vendo, porque não há floreados, nem reviravoltas, nem cenas de suster a respiração...o filme vê-se enquanto se respira devagar... e se inspira o que se vê e o que se ouve da boca das personagens, lindas, todas!
 
Este filme cai-me no colo sem eu pedir... pela mão de um amigo. E eu vi-o, para passar tempo, mas fui apanhada desprevenida... E agora penso... penso no peso das palavras. No poder que passa pelos dedos de quem escreve. Como tecem uma teia (às vezes com o coração, outras vezes com a inteligência eloquente), uma teia que envolve os que lêem... Se só se passar os olhos pelas palavras, o feitiço não funciona. É preciso lê-las. Ler o que elas dizem e saber ir escolher entre os seus mil significados aquele que o escritor lhe quis imprimir.
 
As palavras têm peso. Os gestos têm peso. A mim pesam-me. Pesam-me no peito a ponto de me fazer dificil inalar o ar e aflitivo exalá-lo.
Tenho medo de palavras e gestos que possam vir das mãos do amigo, que sejam apresentados como dádivas, como um agradecimento pelo meu sorriso, que é sempre grande, como uma brincadeira, como um laço... Tenho medo que venham muitas coisas...e que eu não suporte o seu peso.

11/12/2012

O pequenote foi ao doutor

Levar o pequenote à oficina, é terrível, parece-me sempre uma ida ao hospital... chego porque ele se queixa e tem sintomas cuja causa desconheço e entrego-o nas mãos dos senhores que são sempre simpáticos (são sempre estranhamente simpáticos com as meninas, os senhores mecânicos, não são??)... Enfim, entrego o pequenote e eles lá vão com ele lá para dentro daquela garagem ampla, fria e cheia de correntes de ar, abri-lo todo, e eu fico sozinha, na salinha de espera ou cá fora a cirandar para um lado e para o outro... e cada senhor que passa de bata ou macacão ou mãos sujas me parece muito sério e temo que venham dirigir-se a mim para anunciar alguma doença grave, terminal, ou o óbito... E depois aparece um conhecido e, para matar tempo, explicamos um ao outro as maleitas dos nossos veículos, tentamos adivinhar causas, pomo-nos a tentar calcular de quanto poderá ser "o tombo" e terminamos com a frase "um carro é pior que uma amante"...
Lá vem, por fim, o senhor que está a cuidar do nosso pequeno, com uns papelinhos na mão que eram como que um electrocardiogarma da bateria e do alternador e mais não sei o quê... e era mau. Era muito mau... "Podemos prosseguir com a substituição da bateria?", pergunta ele, e eu tenho a certeza que já vi alguem dizer aquilo num episódio da Anatomia de Grey...
Pois bem, espero mais uns vinte minutos e saio de lá com o pequenote (quase) como novo, e a prometer a partir de agora tratá-lo melhor, protegê-lo dos elementos e das pancadas nos passeios... e com a conta bancária ligeiramente amortizada.
Ainda bem, estava a começar a incomodar-me ter tanto dinheiro para gastar em compras de Natal...

09/12/2012

Não é para perceber

Conhecem a história do cão?
O cão esfaimado fechado numa jaula e a quem colocam, do lado de fora, claro, um bifinho suculento... O cão desunha-se a tentar alcançá-lo, em vão. Está tão vidrado, tão obcecado com o bife quenem repara que alguém abriu a porta da jaula atrás dele e que, para alcançar o seu objectivo, só precisa de se distanciar, de olhar em volta, de perder a obcessão. Quando fizer isso, facilmente verá o caminho que o leva ao seu objectivo.
Eu tenho sido esse cão.
Desequilíbrio insano. E depois preparo-me para sair, como se para uma batalha ou um teste... e noto, surpreendida, que cada peça de roupa cuidada que coloco, me sinto mais "apta" e "aceitável". A cada camada de sombra que espalho nas pálpebras e cada linha firme traçada com o lápis sobre a linha das pestanas a minha máscara protectora ganha consistência.
Pareço-me com os outros, sou igual a eles e é assim, camuflada de acordo com o ambiente circundante que me apresento, mais vacilante do que aparento.
Fumar um cigarro no escuro faz-me mais arrojada do que nunca e bastou um baralho de cartas para me esquecer de mim.
Passei uma noite fora daquilo que sou. Como a Cinderela. Quando regressei a casa voltei a ser Gata Borralheira, mas tive sonhos bonitos.
De manhã, fui à missa sozinha. Uma velha amiga da minha mãe chamou-me para o lugar vago a seu lado e, vindo do nada (que teima tenho eu em buscar motivos para as coisas??) segurou a minha mão, sob pretexto de a aquecer, durante toda a homilia.
Isto são "coisas", para mim. Coisas fora do que eu sou. Às quais às vezes pareço ter alergia, outras vezes, terror... Outras vezes, sabem-me bem...

07/12/2012

"A Solidão dos Números Primos", de Paolo Giordano

 
Este é um daqueles que constaria da lista restrita de livros "A tua casa está a arder e só podes levar meia dúzia deles".
Comprei-o e li-o em Fevereiro de 2010. No final, lida a última frase, fechei-o e abracei-o com força. É a forma mais simples e mais directa que tenho para caracterizar o efeito que teve em mim.
 
Guardei-o e agora cedi à vontade de o reler, de o re-sentir. Porque este livro não se pensa ou lê, simplesmente. Tem que ser absorvido e respirado.
 
Os números primos são números solitários. Singulares. Divisíveis apenas por si próprios ou pela unidade. E há pessoas, como Alice e Mattia, que são como esses números primos. Especiais e inconfundíveis, inevitavelmente isolados, cheios de segredos e encantadores, se os soubermos olhar com atenção. Basta ler a sinopse para ficar com uma ideia, muito ligeirinha:
 
Alice é obrigada pelo pai a frequentar um curso de esqui para ser forte e competitiva, mas um acidente terrível deixará marcas no seu corpo para sempre. Mattia é um menino muito inteligente cuja irmã gémea é deficiente. Quando são convidados para uma festa de anos, ele deixa-a sozinha num banco de jardim e nunca mais torna a vê-la. Estes dois episódios irreversíveis marcarão a vida de ambos para sempre. Quando estes “números primos” se encontram são como gémeos, que partilham uma dor muda que mais ninguém pode compreender.
 
E é isto. Tão simples, mas tão profundo. Já o recomendei e emprestei a algumas pessoas e não me pareceu que ficassem tão tocadas como eu... Acredito que seja uma questão de sensibilidade. E de compreensão. Porque me sinto às vezes como um número solitário, sem gémeo... Não nos sentiremos todos, de vez em quando?
 
Só uma notazinha, sobretudo para as meninas... Vale muito a pena ir espreitar o escritor... Este Paolo Giordano é um regalo...

03/12/2012

Adivinha o que é...

É das coisas melhores do mundo. Das mais naturais e espontâneas.
É inata. E o que é inato é, normalmente, além de bom, necessário também. Que não haja tabus. Travo há anos uma luta morna mas persistente contra a destruição deste tabu. É necessário. É libertador. É uma necessidade, uma inevitabilidade, às vezes.
É um sinal que o nosso corpo se tornou pequeno para conter aquilo a que o forçaram. É um sinal de que o medidor de pressão interno está no nível vermelho, o que indica "PERIGO" e, ao cedermos ao impulso irresistível, vamos fazer esse alarme parar de tocar e folgar um bocadinho.
É um momento muito nosso, de cada um, em que nos concentramos no ritmo da nossa respiração, para não sufocarmos, em que não conseguimos falar... que maravilhosa a certeza de que não nos serão exigidas palavras enquanto dura!
Quando termina é como se uma maré muito cheia vazasse, finalmente. Surpreende-nos a acalmia que se propaga por todo o corpo depois da grande convulsão.

Chorar.

Apercebo-me que, ao lerem o que escrevi, é compreensível que as vossas mentes tenham vagueado por alternativas muito diferentes... Juro solenemente que não escrevi de forma a alimentar essa ambiguidade e paralelismo. Não é interessante, como as coisas são??

01/12/2012

"Cem anos de solidão", de Gabriel Garcia Márquez


Primeiro livro que li deste colosso... o pouco que li de escritores hispano-americanos não me cativou muito, daí ter demorado um tempo a dar oportunidade a este. Mas gostei.
A história é complicada, tal como me tinham avisado, muito por culpa da quantidade de membros e das várias gerações da família Buendía que se cruzam e se relacionam às vezes de maneira estranha, mais ou menos animalesca, mais ou menos incestuosa... a edição que eu tenho vem com um esquema da árvore da família, que consultei uma boa dúzia de vezes e que ajudou imenso...
De alguma maneira, fez-me lembrar a escrita de Mia Couto, no sentido em que dei por mim a pensar "sei que esta frase/parágrafo/capítulo tem muito sumo e simbolismo para se retirar e pensar", mas não me dei muito ao trabalho de o fazer. Deixei passar essa parte mais "profunda" ao lado e li apenas pelo prazer de ler...
Tem tristeza e destino, tem loucura e descontentamento, também tem resignação... Tem sonhos e utopias, tem dores e mortes e ascenções luminosas. Tem guerras e amores inadiáveis... E termina com um arrepio poderosíssimo.
Encanta a facilidade com que as palavras surgem e nos sugerem imagens tão nítidas na mente, e entretém a multiplicidade de histórias secundárias, pequenos eventos e pormenores da personalidade das muitas personagens.
Percebo, agora percebo que se diga que este é um dos mais notáveis escritores do nosso tempo.