31/03/2016

"namaste"

Quando meditamos, no silêncio do nosso coração, ao fim de algum tempo, começamos a ver as coisas tal como elas são...

Hoje a aula de yoga foi de meditação profunda... E, ao fim de algum tempo, eu consegui ver as coisas de forma serena, com aceitação, com paciência, com vontade de construir e com amor no meu coração. Tive medo, no inicio do exercício, que a análise me levasse a ver as coisas engrandecerem, pesarem, e eu a encolher... Mas não foi o que aconteceu. Eu cresci, eu tive consciência do meu corpo, da minha História, do meu Eu, e as outras coisas ficaram em proporção harmoniosa comigo.
As minhas crises de ansiedade, os meus medos e preocupações, surgem quando essa proporção fica desequilibrada, quando vejo as coisas de uma perspectiva errada, numa ilusão de óptica...
E rogo a mim mesma, ao meu "Mestre Interior", à minha Alma Etérea, à minha Mente, a Deus, ao Tao, ao Karma.... A todos os nomes que damos a essa Entidade que mexe os cordelinhos do Universo... Rogo-lhe que a minha visão não fique desfocada, turva, confusa... Que eu veja sempre as coisas tal como elas são... Porque o que elas são é sereno, é pacífico, é um milagre, e é impermanente.

22/03/2016

Em início de consulta, a Psicóloga pergunta...

"então? Como é que temos andado?"
Respondo: ando benzinho... Choro quase todos os dias, mas ando benzinho...

Ela assustou-se. Mas eu já não tenho medo de chorar. O choro é o descarregar de um excesso... De um excesso de tristeza, de memórias, de medos e antecipação, de zelo, de saudades e penas... Como uma nuvem que se enche até ao limite, e depois chove. O meu choro dá-me leveza.

...mas quase todos os dias, não é bom... Pronto, até eu admito isso. =) mas já passou. Agora já só choro de vez em quando, por uma questão de manutenção...

20/03/2016

Fechei uma porta. Tranquei as janelas.

Disse adeus ao meu pai. Há uma semana.
Atendi-lhe o telefone e, antes que ele tivesse tempo de começar a chorar os seus infortúnios alcoolizados, misturando arrependimento por nunca ter sabido ser pai com insultos e ataques por eu nunca ter sido uma filha amorosa... antes que ele tivesse tempo disso, eu disse-lhe, tal como já havia ensaiado na minha mente, tal como até já havia sonhado: "Eu não te vejo há 10 anos. Quando eu fui à Suíça, não tiveste tempo para te encontrar comigo. Vieste a Portugal, não disseste nada. Quem és tu para mim? Não quero mais isto. Segue a tua vida, eu estou a seguir a minha. E agora vou desligar. Adeus."
Faz hoje uma semana. E só agora me apercebo do tamanho deste gesto. Desprendi-me desta relação que mais era uma "ralação", onde as chamadas telefónicas eram irregulares, às vezes semanas ou meses sem ligar, e cujo conteúdo alternava apenas entre o choroso ou o zangado. Invariavelmente regado com álcool.
Não quero mais.
Passou mais um dia do Pai. Senti novamente inveja das memórias boas que os outros têm dos seus. Não pensei no meu.

16/03/2016

Obras ao nível do "quinto andar" - precisam-se.

...porque vou aprendendo que, ao contrário do que imaginei e do que sempre quis para mim, sou mais negativa e pessimista do que outra coisa...
Sou tão ansiosa e temerosa com as voltas do mundo e as partidas dos outros que, mesmo quando vivo um momento de serenidade, tenho lá no fundo da minha mente a voz que me alerta que aquilo não poderá durar, e o que será que irei pagar em troca daquele momento sereno e feliz; e, instintivamente, sinto a angústia, aquela intranquilidade, que erradamente interpreto como uma preparação, um estado de alerta para quando vier a próxima partida da vida.
Saboto a minha própria felicidade, como me diz o meu amor, a quem quase levo à loucura com as minhas variações e "avariações".
Tenho tido dias serenos, como já não tinha há muito. E apercebo-me que é nessa serenidade que reside a felicidade; não preciso viagens, não preciso festas, fugas à rotina... Preciso serenidade. Serena, sou feliz.
E, quando essa serenidade vem, hesito em estirar-me nela a apanhar sol, simplesmente. Hesito porque estou já a temer o momento em que ela me abandone, sem aviso ou explicação, me abandone simplesmente, como já aconteceu noutras vezes.
Mas a luta continua. Quero fazer da serenidade um hábito. A luta continua...

06/03/2016

Cântico Negro, de José Régio

(Deu-mo a conhecer a Júlia, minha querida acupuntora... e reza assim:)

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!