Na terra onde moro não há semáforos. Há casas centenárias, degradadas como assombrações, e há prédios medonhos que vão surgindo para lhes fazer sombra. Há ruas de paralelo irregular que nos massacram os pés e a suspensão do carro, e onde escorregamos nos dias de chuva. Há pessoas iguais na rua. Todos os dias iguais. Todos os dias vestidas com a mesma cor. Pessoas que cumprimento e a quem dou os bons-dias sem saber, às vezes, como se chamam. Há senhoras idosas que ficam encostadas à porta, a ver quem passa... e eu sinto-me, às vezes, envergonhada por passar, em passo rápido, jovem e tresloucada, e fingir que não as vejo. Há homens idosos que caminham curvados e devagar. Há um senhor muito velhinho, que caminha lentamente, costuma andar de sobretudo, mãos atrás das costas e um cachimbo entalado entre os dentes, a soltar nuvens de fumo perfumado, que incomodam quem passa por ele. Eu acho-lhe graça.
Na terra onde moro, as ruas ainda ficam silenciosas e desertas nas noites de Inverno, e ruidosas e lotadas nas noites de Verão. Os cães vadios são alimentados por donas de casa aborrecidas ou por homens do talho simpáticos.
É uma terra rodeada de aldeias, de onde descem pessoas castiças nos dias de feira e mercado. Aldeias que são manchas coloridas no meio das encostas, com chaminés altas de onde se desprendem fios de fumo branco nos dias frios ou nos dias Santos, quando se faz carne assada nos fornos ancestrais.
Na terra onde moro, as estações têm a sua própria cor. A Primavera é verde. Verde-vivo, verde-luxuriante, verde tão verde que até cansa. O Verão é abafado, com o verde convertido numa tonalidade mais seca que se confunde com os amarelos crestados das ervas rasteiras. O Outono é castanho e dourado e vermelho e cor-de-rosa! O Inverno tem o negro da terra devastada e húmida, o castanho lamacento do rio na cheia e o amarelo das mimosas que começam a sorrir quando a Primavera está próxima.
A terra onde moro é a terra onde vivo. E acho que não saberia viver noutro sítio!