Há pessoas extraordinárias. Em todo o lado. Cruzamo-nos com elas todos os dias sem as vermos, até chegar o dia em que, sem motivo aparente, poisamos o olhar com um pouco mais de cuidado e tempo. Acontece-me muitas vezes. Hoje aconteceu com a dona Fátima e, pela primeira vez, resolvi escrever sobre isso.
A dona Fátima é a florista da rua aqui de trás. Não tão sofisticada como outras, mais procuradas (e careiras também). Mas tem gestos carinhosos com as flores, ajeita-as como uma mãe ajeita um caracol rebelde na cabeça do filho. Nas datas festivas em que toda a gente corre às floristas, ela costuma ainda ter belas flores, quando as outras já só têm refugo, e é por isso que gosto de lá ir. Quando vou buscar um raminho para oferecer à minha mãe pelo aniversário, ela escolhe uma plantinha florida e manda-me entregá-la à aniversariante com um beijinho da parte dela.
Quando lá vou buscar flores para velórios, discretamente e com sensibilidade, tenta saber pormenores das minha relação com a pessoa falecida para me aconselhar um ramo mais discreto ou uma palma solene.
Hoje passei à porta da sua lojinha, sempre atafulhada de plantas, vasos, flores... Só deixa livre um corredorzinho que liga a direito a porta ao balcão, muito poucos adornos além das próprias flores e a tinta das paredes já a querer descascar... Mas hoje não! Hoje, no dia cinzento e naquela rua de comércio tradicional que se vai deprimindo a olhos vistos, ficando cinzenta também, vinha uma luz clara do interior da montra da dona Fátima e, no lado de fora, homens penduravam um novo letreiro, bonito, alegre. No interior, vazio e mais amplo do que nunca, com uma nova pintura e novos detalhes, a dona Fátima estava muito compenetrada a fazer alguma coisa que não consegui identificar... Mas fiquei feliz por ela, por dar um novo ar ao seu negócio de cores e perfumes e àquela velhinha rua.