30/08/2017

Fui vítima de bullying. Claro que no meu tempo não se chamava assim, nem era um flagelo reconhecido ou que merecesse atenção. Era simplesmente um fenómeno natural como a sobrevivência do mais forte: a maioria unia-se e fazia banquetes da vergonha e humilhação dos membros da minoria. Fossem esses membros os que tinham boas notas, os que não tinham dinheiro para comprar as calças da moda ou os que não tinham a vontade ou coragem para fumar atrás dos pavilhões da escola.
Fui ridicularizada pelas músicas de que gostava. Pelas séries que via. Pela forma de falar. E de vestir. Por algum tique inócuo. Pelos dias de "mau cabelo". Tantos anos depois, com o impacto destruidor sobre a autoconfiança já bem cimentado, e sem qualquer hipótese de cuspir redentoramente na cara daquelas cabras maldosas, apercebi-me que as ofensas não eram dirigidas especificamente aos meus gostos ou gestos. Tanto fazia eu gostar de verde como de azul, haveria sempre troça porque o motivo de escárnio não era a beleza ou fealdade das minhas inclinações, mas a própria necessidade de atacar alguém. No caso, eu.
Uma pessoa maravilhosa ensinou-me: Quando se atira carvão negro aos outros, mais depressa ficam sujas as mãos de quem atira do que a pessoa visada. Serve de pouca consolação.

12 comentários:

  1. Nunca senti isso e, que eu tenha alguma vez percebido, também não houve episódios de bullying com os meu filhos. Mas há situações reportadas hoje em dia que são absolutamente deploráveis.

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    1. Hum... Diz-me a experiência, Luisa, que quem nao sentiu bullying, estava geralmente no grupo dominador... =) estou a brincar!

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    1. Uma senhora muito jovem, franzina e adorável, Pedro. Não a típica figura do sábio. =)

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  3. Também passei por muito no meu tempo e sei que aquilo a que agora chamam de "bullying", na altura eram elogios... As pessoas aprenderam a ofender-se com coisas demasiado triviais e a considerarem triviais as que realmente importam.

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    1. Verdade, Logan. Hoje é traumático uma criança ficar no portão da escola à espera do pai, que se atrasou 5 minutos. Se isso nos acontecesse a nós, brincávamos com as pedras da rua e fazíamos disso um momento divertido!

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  4. Todos fomos vítimas de bullying chamávamos-lhe era outra coisa, porque ainda não estávamos colonizados pela língua inglesa. Boa semana

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    1. Não acho que tenha sido só o nome a mudar, Carlos. É verdade que os maus-tratos não eram tão sofisticados e cruéis como alguns que se vêem hoje, mas também não havia piedade nenhuma por parte de colegas nem adultos para com as vítimas.

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  5. Estou com Pedro Coimbra e transcrevo a sua sua frase:
    "Quem lhe ensinou isso era um sábio"



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  6. Também tive uma senhora que me ensinou a superar as palavras ditas para ofender, não ligando. Não me lembro da cara da senhora, nem de quem era, ficaram apenas as palavras que me ensinou. Queixei-me que me chamavam chinesa, isso enervava-me, não sei porquê, vias como ofensivas, não tinha idade nem para saber quem eram os chineses, nunca tinha visto nenhum, ela sabiamente disse-me que não ligasse e assim fizesse assim deixavam de me chamar. Assim foi. Eu na altura devia ter uns quatro anitos, ainda não andava na escola. Foi tão boa a lição que passei a rir-me quando diziam algo para me chatear. As imagens desaparecem mas as palavras ficam. Bendita senhora.
    Beijinhos

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    1. É um grande ensinamento, Mary. O poder de ofender é dado pelas vítimas, quando absorvem o golpe. Se sacudirmos os ombros às palavras, elas fazem ricochete...

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