16/10/2010

Alguém que me cale.

Sou um anjo. Sou como acho que toda a gente deveria ser para que o mundo fosse melhor. Sou convencida e cheia de mim. Tenho sorrisos fáceis e orgulho-me disso. Não porque ria sem ter vontade mas porque consigo achar graça em tudo. Sou leve e ligeira. Não me imponho. Não agrido. Sou como um poço com água que, se ninguém lhe mexer, mantém-se eternamente inerte mas que, quando tocado, ainda que muito levemente, reverbera a vibração durante longo tempo... Reverbera, remói, revive. Museus vivem do passado. Também eu sou museu porque valorizo mais o passado do que o futuro. O passado eu sei, eu sinto, eu recordo. O futuro é como uma sombra, sempre presente, sempre prometedora, mas que é inútil perseguir ou tentar agarrar. Ninguém corre atrás de sombras. O futuro é imaterial. Sou hedonista e carente. Orgulhosa como o raio. Agridem-me e eu não vejo; não tenho habitualmente uma posição defensiva; gabo-me de não ter fantasmas e de acreditar que o Homem é um ser naturalmente Bom... Inevitavelmente, alguém vem morder-me os calcanhares quando menos espero. Aí, tinjo-me de nódoas que não saem. Faltas de carácter, traições, oportunismos: não esqueço. Reverbero, remoo, revivo. Sou requintada no odiar. Não agrido; não me defendo; não tiro satisfações. Observo e anoto mentalmente. Até onde vai a baixeza humana...! Acredito em Deus mas fecho sempre bem a porta do meu carro. Sou picuinhas com o tempo. Não gosto de esperar os outros; odeio que tenham de me esperar a mim. Não sei definir a cor dos meus olhos. A minha mãe diz que tenho mãos de parteira. Apanho nódoas negras com uma facilidade absurda. Tenho a mania de usar palavras caras. Irrita-me a obtusidade crónica. Gosto do sabor do limão. Gosto de ombros largos e mãos grandes. Gosto de andar descalça e de roupas largas. Tenho um talento especial para matar plantas e peixes (sem ser de própósito, claro). Tenho uma cicatriz no fundo da perna esquerda. Um sinal sobre a linha inferior das pestanas do olho direito. Alguém que me cale...

4 comentários:

  1. Não quero que te cales. Gosto de te "ouvir". Aliás, gosto muito.

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  2. Fabi, eu não vou calar-me definitivamente. Mas ontem deu-me aquele ataque de verborreia que, mesmo assim, achei que devia publicar. Oxalá não me dê muitas vezes...lol

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  3. Tenho a ideia que já comentei este post, estarei enganada? Adorei ouvir-te falar, estava deliciada a ouvir mas, calaste-te. Beijinhos

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  4. Brown Eyes, penso que não... A menos que eu tenha apagado o comentário acidentalmente... =D
    Um beijinho

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