20/04/2011

A Feira

Faz lembrar as histórias medievais dos dragões ou mortos-vivos que vinham periodicamente às povoações mais próximas alimentar-se e semear o caos, só por divertimento...

Uma vez por semana, tenho terror de sair de casa porque há um cheiro a galinhas e podridão por toda a parte. Há uma cacofonia dilacerante e persistente pelos ares: o chão escorregadio, repleto de todo o tipo de restos hortícolas e ocasionais penas de aves que, tantas vezes repisados, reproduzem um "splash" agonizante a cada passo; os pregões grosseiros e esganiçados que trovejam de todas as direcções, intercalados com os murmúrios suplicantes das crianças que se dirigem a nós oferecendo embalagens de pensos-rápidos; as saudações ruidosas e exuberantes de conhecidos que se encontram no meio da balbúrdia; as buzinadelas dos carros enfurecidos pela demora das cargas e descargas, a passagem constante de gente nas passadeiras e a dificuldade em estacionar.

Enxurradas lodosas de gente carregada, apressada, irritada e afogueada.

Serpenteio, ágil, tentando evitar encontrões ou roçar de ombros de mulheres anafadas e homens transpirados; faço gincana por entre os destroços que vão ficando; resisto ao vómito que vem convocado por aquela assembleia etérea de cheiros nauseabundos; compadeço-me dos agentes da autoridade, assistindo impávidos à consumada transformação do "seu território" numa vala comum de detritos orgânicos; canto mentalmente uma canção de embalar, para me abstrair da matança que ali vai. Corro para casa, giro a chave na fechadura vinte vezes, fecho e calafeto as janelas e espero que o saque termine.

Ao início da tarde já tudo terá findado. Regresso à rua, agora vazia de predadores, de bancas e barracas, onde só o chão nojento e o cheiro atestam ainda a carnificina matinal. Até para a semana.

6 comentários:

  1. Mostras aqui um lado "nauseabundo" da coisa... Mas também se poderia ver um outro lado: aquele que ecoa pregões de alegria, aquele que agita o colorido das trocas, aquele que morde na frescura dos produtos caseiros, aquele que traz os odores do campo até à cidade, aquele que é vida. :)

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  2. Looooooooooool e em Agosto, em Agosto é que é, sempre detestei descer à civilização à quarta-feira :(

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  3. Luísa, é verdade isso que dizes... mas tem muito mais piada falar mal...lol Agora a sério, dependendo da disposição com que acorde, posso encarar de uma ou de outra forma... Hoje, tudo era nauseabundo. =)

    Papoilinha, tu compreendes-me... =)

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  4. O meu pai tb não gosta, se lhe marcarem alguma coisa para 4a feira de manha, ele pede logo para trocar...é de familia.
    No tempo da escola, era uma confusao o transito e o bus atrasava-se sempre, e nos nem ousavamos por o pé fora da escola da parte da manha :) para além da confusão descrita havia as pessoas que nos conheciam e que mesmo que nos vissem todos os dias, nesse dia lembravam-se de nos dar 2 beijos e perguntar pela familia toda...que tb viam todos os dias...

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  5. aqui onde eu moro não ha feiras perto.. mas eu até gosto de la ir assim uma vez por ano lol
    que feira é essa que ha à quarta feira? *

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  6. Hum... Não é nenhuma feira especial... É "a feira". A semanal. Todas as semanas, no mesmo dia, vêm os vendedores ambulantes e o pessoal das aldeias vem à cidade atestar... É "a feira". =) Não sabia que havia sítios onde não havia feira.

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