No ginásio há um espelho onde sou sempre feia. Fico muito alta e esguia, tornozelos demasiado finos, pele demasiado branca. É o espelho que fica em frente ao sítio onde costumo fazer as aulas, por isso, não consigo evitar olhar para ele. Em compensação, o que me fica à esquerda é detestado por toda a gente porque, aparentemente, faz as pessoas parecer mais gordas, largas, redondas... Gosto de me ver nesse.
É perigoso, isto. Nós não prestamos atenção mas devíamos ter cuidado, muito cuidado, com os espelhos em que nos vemos. Evitar os que nos mostram enganadoramente o que queremos ver, não procurar aqueles que nos dão bonitas palavras ou um abraço, só porque é o que precisamos no momento; e não ter medo dos que nos dão uma imagem diferente da que queríamos para nós. Perceber que são espelhos. Espelhos não são nós. Como o dedo que aponta para a Lua não é a Lua. Em vez disso, em vez de espelhos, termos a coragem de olhar por nós abaixo, literalmente. Olhar para nós e vermos, sem interpretações ou reflexos manipulados, as nossas mãos, o nosso peito pesado e dolorido, ou talvez orgulhoso e sorridente, os nossos pés, os mesmos que caminham por nós todos os dias. Ter a ousadia de nos vermos em tamanho real, e três dimensões. Que aceitação plena viria, se soubessemos fazer isso...!