24/12/2011
Maranatha
"Vem, Senhor Jesus"... Estamos à tua espera, ainda que muitos não o saibam. Esperam qualquer coisa, alguém... Mas tudo o que possam receber provirá de Ti, eu acredito. Vem e traz a tua Luz, rodeia-nos de serenidade, inspira-nos a sabedoria, dá-nos mãos que saibam dar e dar-se, olhos selectivos que vejam o melhor... e uma inspiraçãozinha de vez em quando para vir aqui dar palavras giras ao pessoal...
20/12/2011
1/4 de Século
Hoje faço 25 anos...
Mas, se acordo durante a noite e, por estar ensonada ou por me ter virado muito na cama, não encontro o interruptor do candeeiro, ainda fico desesperada e com vontade de chorar...
Mas, se acordo durante a noite e, por estar ensonada ou por me ter virado muito na cama, não encontro o interruptor do candeeiro, ainda fico desesperada e com vontade de chorar...
18/12/2011
Gato das Botas
O Idalécio
Responde pelo extraordinário nome de Idalécio, embora eu pertencesse ao círculo restrito autorizado a chamar-lhe "Lecinho".
Curso de cozinha recém terminado e foi trabalhar lá para a Quinta, preparar aos pratos XPTO para os turistas mais exigentes.
As senhoras da cozinha, antigas (na casa e na idade) escandalizavam-se comos modos descontraídos dele,de cozinhar ao som de Linkin Park, de perder tempos com decorações e temperos, enquanto elas tinham que descascar 20Kg de batatas.
O Lecinho ensinou-me o que era fazer uma redução. Fê-lo com vinho do Porto branco e deixou-me tirar um bocadinho com o dedo, para provar. E isso virou hábito. Nas horas mortas, eu sentava-me sobre a bancada e via-o, de jaleca impecável, a reduzir vinho, a afiar as facas, a preparar molhos e ervas e especiarias, a entornar caramelo ou chocolate temperado na mesa de mármore para os trabalhar e fazer decorações para os seus pratos doces e ingénuos, mas ambiciosos e cheios de promessas, como os seus sonhos.
Gostava de ficar ali a observá-lo, sempre à espera que me presenteasse com mais um sabor, uma textura, uma experiência, uma intimidade.
"Come antes uma peça de fruta", era a resposta típica dele para qualquer questão melindrosa. Há dois anos mudei de trabalho. Há dois dias voltei a vê-lo. Não me lembrava que ele era tão alto. Tem o cabelo mais comprido, fica-lhe bem. E, quando me despedia: "Vou fazer um bocadinho de tempo, ir ali à livraria, até serem horas de ir buscar a minha irmã à escola", ele sai-se deliciosamente com essa: "Come antes uma peça de fruta". Adorei rever o Lecinho...
Adorava dizer-lhe que agora faço Zabaione...
13/12/2011
ABRAÇO
Ontem fui dormir com um sabor amargo e salgado na boca.
Amargo de recordações que foram doces, e salgado pelas lágrimas que não me impedi de chorar.
Comecei a ler "Abraço", do queridíssimo José Luís Peixoto e, à página 29, estou já envolvida na sua música.
Recordo-me da minha infância; de como, sendo eu , era tão diferente do que sou hoje e de como o mundo mudou diante dos meus olhos.
Lembro-me também eu, José Luís, da minha escola primária. Como tu recordas a mala amarela, eu recordo a bolsinha de pano bordado onde todos os dias a minha mãe me punha o pão para eu comer no recreio. Toneladas de amor iam contidas naquele rectangulozinho gasto e humilde.
Como no final de um dia de trabalho nos metemos no carro e, sem pensar sequer no percurso, viramos nos cruzamentos certos e chegamos a casa, porque é a nossa CASA e buscamo-la e dirigimo-nos para lá, irresistivelmente, levaste-me hoje a memórias muito ternas.
10/12/2011
WTF???!!!
04/12/2011
Imaginei...
Um dia deixei o trabalho. Sentia-me embrutecer todos os dias desde há semanas, há séculos. O tão falado trabalho intelectual, mais apreciado, reputado, considerado, que o trabalho físico deixara-me esgotada e burra. Um caldeirão de intelectualóides, pseudo-geniais, cheios de si, que se acham o centro do universo nunca constou das minhas aspirações profissionais...
As folgas, há quem as passe de papo pró ar, a coçar micoses, mas eu tinha necessidade de polir, esfregar, reparar, abrilhantar tudo o que havia lá por casa. Não sou nenhuma fanática das limpezas, apenas da ordem harmoniosa que vem delas. Limpei toda a casa e absorvi a sensação apaziguadora que veio daí. No final dos trabalhos, ainda descontente, ofereci-me para passar umas peças de roupa à vizinha e fui tratar daquelas juntas da tijoleira da casa da minha irmã, que eram brancas e hoje são castanhas... De passagem, fui ainda ver se a minha mãezinha precisava que lhe lavasse a louça do almoço.
E, numa espiral vertiginosa de limpezas e desinfestações, fui alargando a minha esfera de actividade doméstica aos lares de todos os vizinhos e conhecidos.
Um dia, deixei o trabalho. Fiz-me empregada de limpeza e todos os dias as minhas mãos purificam ou reabilitam algo, todos os dias os milagre da transformação da mácula em asseio passa diante dos meus olhos. Limpar é catártico e tem até uma certa justiça poética, porque não há nódoa que não saia, se lhe aplicarmos toda a nossa energia e determinação.
27/11/2011
Why, Lord? Whyyyyyyyy??!
Gosto das coisas simples. Gosto da beleza harmoniosa e clássica. Gosto do sofá, como gosto da cadeira da esplanada ou do muro do cais. Gosto de cores vivas. Gosto de cães porque são o derradeiro símbolo da lealdade. Gosto de felinos porque são competentes e independentes. Gosto de ver relâmpagos e ouvir a trovada rasgar o ar 3 segundos depois. Gosto do sol que acaricia, sem cegar. Gosto de sobremesas frescas, com muitas natas e chocolate. Gosto de comer gelados no Inverno. Gosto de pôr música quando estou em casa sozinha. Gosto de trabalhar. Gosto de jogar farmville no trabalho. Gosto de deixar as pantufas pousadas ao lado da cama, direitinhas, de modo que, quando me levanto, os pés caiam direitinhos em cima delas. Gosto de não ter de procurar as minhas coisas. Gosto de saber que sei sempre onde elas estão. Gosto de conversas longas. Gosto de quem sabe ficar em silêncio. Gosto de encontrar o que outros perderam...e devolver-lhes, claro. Gosto de me mimar. Gosto de tomar o meu café sempre acompanhado de uma nata. Já gosto que me toquem no cabelo. Gosto de demorar dois minutos a mais no duche, com a água a correr quente, a ponto de queimar. Gosto de me matar no ginásio. Gosto de dizer a quem está a fazer exercícios ao meu lado: "se não estiver a doer, é porque não estás a fazer bem". Gosto de comidas gordurosas, desde os rojões, à carbonara. Gosto de limpar o pó. Recentemente até descobri que gosto de passar a ferro...Gosto de tantas coisas... por que raio há pessoasa teimar em fazer disparates que não lembram a ninguém só para me aborrecer?! Chiça...
22/11/2011
Não sei bem o que chamar a isto...
Não sou de ninguém e, por isso, preciso entregar um bocadinho de mim a toda a gente. Ocasionalmente, este "entregar" roça o "impingir" e o "impôr". Gosto de pensar que é uma aceitação recíproca, que quem me aceita o "bocadinho" recebe também em troca algum amparo e companhia. Como duas cartas que se suportam, encostadas uma à outra, para construir um castelo.
Mas até nisto sou egoísta, porque dou o meu "bocadinho" bem racionado e medido e não tolero que me peçam ou tentem extorquir mais do que isso.
Por fim, sou reles, porque não raras vezes gostava de me encostar a uma carta que já está escorada noutra. Orgulhosa demais para o manifestar, vejo, às vezes, alguem deixar em suspenso o seu suporte para me atender por um momento. E aí sou reles porque devo gratidão a quem veio e vergonha a quem ficou à espera... Reles, eu.
11/11/2011
Zénite
Neste momento, neste preciso e saboroso momento, eu sou a pessoa mais forte, confiante e tranquila à face da terra. Apenas neste momento. Mas mesmo sendo este um estado tão frágil e passageiro, é impagável a sensação de plenitude que trago comigo. Porque me vi angustiada e exausta com pessoas e situações e, incapaz de tolerar mais fosse o que fosse, murmurei um "chega!", finquei pé, fiz cara feia e, pedindo desculpas e tremendo por todos os lados, estava até disposta a partir a louça toda, se fosse preciso. Mas não foi. Reconheci, lá pelo meio deste turbilhão que me sacudiu os nervos e fez tremer as mãos e a voz, que tenho uma incompatibilidade crónica com quase toda a gente que de alguma forma aprecio ou admiro. Reparei que quanto mais gosto de alguém mais tendência tenho para discutir e me enervar... Aliás, atrevo-e a dizer que praticamente só discuto com quem gosto. É que só com essas pessoas é que vale a pena. Pessoas indiferentes não merecem a minha revolta, a minha vontade de as repreender e corrigir, para melhor se adaptarem a mim e às minhas exigências desvairadas e incoerentes. Por fim, aprendi a sensação de cortar amarras, cortar com o velho, o gasto. Mesmo que seja a única coisa que nos é familiar e segura. Eu estava a precisar, mais do que nunca. Cortei amarras e fiz-me ao largo. Não sei bem se encontrarei outra praia ou se a corrente me vai arrastar de novo, indefesa, para o ponto de onde vim. O futuro dirá. E, neste momento, só neste preciso e saboroso momento, olho para ele sem medo.
07/11/2011
"Jane Eyre" e "No Teu Deserto"
Que dizer? É amoroso, envolvente e enternecedor... Devorei as últimas 150 páginas no mesmo dia, como que obcecada, mal podendo esperar pelo final feliz!! É um romance clássico, acerca da orfã maltratada, que é enviada para um colégio onde se destaca pelo seu brilhantismo e inteligência; vai trabalhar como ama para casa de um Mr. Rochester muito estranho, misterioso, vil, feio... mas encantador! E, no dia do casamento, descobre-se que ele é afinal casado com outra mulher! Jane foge mas tcharãns e peripécias mais tarde, enriquece com uma herança inesperada e resolve voltar a procurar o seu grande amor... É adorável! É uma lição de vida inspiradora... Maravilhoso e fofíssimo...
Entretanto, li também (em 2 dias) o "No Teu Deserto" do nosso bravíssimo Miguel Sousa Tavares. Este é um tesourinho frustrante, um relato maravilhoso que ficamos contentes por conhecer e desvendar, escrito na forma encantadora com que o MST sempre nos brinda, mas que deixa uma nostalgia, um vaziozinho... Como se a história acabasse logo depois de começar... Estamos no início, vamos para o deserto com a Cláudia (como eu gostaria que um homem me olhasse e me considerasse e falasse de mim, como ele da Cláudia...!), chegamos ao deserto e, quando percebemos, a história que não começou está a findar... É doce...e insatisfatório! Não digo isto como defeito, mas por nos deixar a desejar tanto mais...! É mais a história que fica por contar do que a que vem naquelas cento e poucas páginas... Arrebatador!
05/11/2011
Felinices
Gosto de me baixar e rastejar até aparecer diante de olhos desprevenidos e jugulares expostas, sem perceberem bem de onde vim... Tenho patas macias, munidas de almofadas que me ocultam as garras ameaçadoras e me disfarçam o peso no caminhar... Não há estalar de galho que me denuncie porque sou cuidadosa e metódica... Olhem...! Olhem como a minha cor tawny me faz invisível no meio dos tons-terra quentes desta selva em que vivemos...
Não sou maldosa, embora não me consigam olhar nos olhos por parecerem assassinos. Sou animal terrestre mas trepo às árvores com tanta graça como se não tivesse peso, e lanço-me pelos ares, confiadamente, como se tivesse asas. Caio sempre direita, sem perceberem como ou porquê.
Sou solitária. Não tolero companhia e também não há que me tolere bem. Adoro, busco e preciso do meu covil e, ao mesmo tempo, necessito absolutamente de pairar, explorar e perder-me...
Não me subestimem. Posso não ter resistência física merecedora de fama, mas a minha velocidade é lendária. O meu engenho é frio; o meu calculismo, arrepiante.
E não raras vezes hão-de ver-me, indolente e sedutora, rebolando-me no pó, perseguindo moscas, cheirando o vento...
Às vezes, desejaria ter nascido, de facto, como leão da montanha. ...mas nem sequer acredito na reencarnação, para poder acarinhar a ideia de ser possível, ainda, voltar cá sob aquela forma...
Ser Briseis com bigodes.
24/10/2011
Briseis à Chuva
...de camisola verde.
Como se não importasse o tempo ou o frio. Demorei os passos e deixei que a primeira chuva me apanhasse. Como sinal de boas-vindas. O ar encheu-se imediatamente daquele cheiro que todos conhecemos como "cheiro a chuva", embora os cépticos teimem "mas a chuva não tem cheiro!". O nariz gelou e os óculos ficaram cheios de gotas gordas... Não me aborreci. Era como olhar o mundo e a noite consumadamente feia por um caleidoscópio. Toda a gente fugia, de caras fustigadas pelo vento, ostentando um jornal ou simplesmente a gola do casaco contra o aguaceiro que se impunha, à força de gotas pesadas e carregadas de urgência, como se lá dos altos tivessem ouvido os gemidos da terra que crestara todo o Verão. Todos se apressavam em direcção aos umbrais protectores das portas... e eu atrasei o passo, em desafio à intempérie e ao medo dos outros. Não tive receio que me julgassem tola. Eu era Briseis à chuva... de camisola verde. E, por um momento, imaginei que o povo amedrontado abandonava os abrigos e vinha juntar-se a mim, e dar à chuva mais para molhar. Não vieram, é claro. Fui Briseis sozinha à chuva... sozinha com a minha camisola verde.
18/10/2011
"Os Três Mosqueteiros"
Em duas palavras: BRU-TAL!!!
O raio do filme está um estouro... Fui ver porque achei graça ao trailler e porque, enfim... andava por lá perdido o meu Orlando Bloom Adorado... Além disso, uns amigos tinham visto e falaram maravilhas... Normalmente, quando vou de expectativas elevadas, acabo um bocadinho desiludida, mas não desta vez!
Aquela históriazinha dos mosqueteiros que todos conhecemos está lá. Sem tirar nem pôr. O D'Artagnan que chega a Paris com o sonho dos Mosqueteiros, que no mesmo dia arranja um duelo com cada um deles, sem saber quem são, que estão reformados e desiludidos, que vem aí o Duque de Buckingham, e que a rainha tem uma certa aia, de seu nome Constance, que eu jurava que era Julieta... Mas pronto... É a história chapada. MAS É FENOMENAL! Não aborrece em momento nenhum o facto de sabermos a história porque o filme está simplesmente espectacular... A realização superou-se, tem alguns efeitos especiais que foram magnifica e discretamente usados, o guarda-roupa é estonteante, lindíssimo, mesmo! As cenas de luta são executadas com tal graça e os movimentos são espoantosos, parece um bailado... E todos os actores parecem ter nascido para representar o papel que lhes coube... Gostei tanto, tanto, que nem me importei que o meu Orlando Bloom Adorado (o Duque de Buckingham) apareça poucas vezes. ...hum, e acho que o cabelo à Buckingham lhe fica a matar... muito melhor que o loiro deslavado que usava no Senhor dos Anéis... =)
O humor é constante mas moderado, para sorrir, não rir. Enfim... nem sei que diga. Estou maravilhada... O bonitão do Matthew Macfadyen,que vimos como Prior Phillipe, nos Pilares da Terra, está muitíssimo bem aproveitado, a fazer de Athos, o amargurado, o desiludido, o charmoso... A tola da Milla Jovovich, fica muito bem de femme-fatale, embora eu tenha reparado que, apesar de magra e pálida, as mãos dela são horrorosas!lol E o famoso D'Artagnan é representado por um muito jovem Logan Lerman, de quem nunca tinha ouvido falar mas que vou ver se mantenho debaixo de olho... =)
Enfim, caras larocas à parte, está um grande, GRANDE filme. Recomendadíssimo!
16/10/2011
Hoje estou para a estupidez...
...e para a lamechice... e para o amor e uma cabana.
É que, ligo a TV de manhã, enquanto tomo o meu pequeno pequeno-almoço (uma torradinha e o copinho de leite com café) e levo logo com as notícias das detenções e estragos causados pelas manifestações de ontem, em Lisboa e noutras cidades do mundo... Isto perturba-me e deprime-me. Mais do que ameaças de austeridade e números assustadores que não compreendo, assusta-me ver as pessoas aos magotes, revoltadas e impacientes, que gritam e insultam com caras distorcidas pelo cansaço... Fiquei verdadeiramente perturbada ao ver isto e formou-se-me um nó na garganta que impediu a passagem fácil da minha torradinha...
E depois, vindo do nada, soa-me na memória o "só nós dois é que sabemos..." cantado pelo Tiago Bettencourt, esse geniozinho adorável! E o pensamento que me fica na cabeça a partir desse momento é (vejam lá se há coisa mais pindérica): pessoas que saibam viver assim, não sentem a crise, não sentem o medo, não se importam que vidros partam e carros ardam... e também queroooo!!!
Só nós dois é que sabemos o quanto nos queremos bem
Só nós dois é que sabemos, só nós dois e mais ninguém
Só nós dois compreendemos este amor triste e profundo
Quando o amor acontece não pede licença ao mundo
Anda, abraça-me... beija-me. Encosta o teu peito ao meu
Esquece o que vai na rua
Vem ser minha, eu serei teu
Que falem não nos interessa, o mundo não nos importa
O nosso mundo começa dentro da nossa porta
Só nós dois compreendemos o calor dos nossos beijos
Só nós dois é que sofremos as torturas e os desejos
Vamos viver o presente tal qual a vida nos dá
O que reserva o futuro, só deus sabe o que será
Anda, abraça-me... beija-me. Encosta o teu peito ao meu
Esquece o que vai na rua
Vem ser minha, eu serei teu
Que falem não nos interessa, o mundo não nos importa
O nosso mundo começa dentro da nossa porta
13/10/2011
Visita à Invicta
Mal entrei no comboio, deu-me vontade de escrever. Não tinha o computador comigo. Nem sequer um mísero bloco... Então agarrei em alguns talões do multibanco que, dadas as circunstâncias, teriam que servir...
Estações de Comboio são lugares admiráveis. É sempre comovente ver os que partem serem acompanhados pelos que ficam. Tristeza de uns, saudade de outros. Ou então alegria e inveja, respectivamente. Os momentos antes da chegado do comboio, de excitação. O ar que se respira frio e novo. Depois, o embarque, a confusão. Tomados os lugares, o clímax: o acenar, os últimos sorrisos atirados. Mulheres que acenam aos maridos, jovens militares que se despedem das namoradas como se estivessem prestes a embarcar para África, novamente. E, depois, o momento em que a carruagem arranca, invertendo tudo: um momento de protagonismo na linha central da estação, por um comboio anónimo a circular num linha perdida no meio de nenhures. E as pessoas, amadas e olhadas com olhares amantes lá de fora, de repente convertem-se em estranhos partilhando a mesma carruagem e o mesmo ar.
Era aquele o momento que mais me doía e prolongava-se um pouco, enquanto o comboio percorria a cidade. E depois afastava-se. Até que, numa curva do monte, deixava de se ver completamente. Aí era o vazio. Só o rio permanecia visível. O rio que era como um fio que eu sabia que ia dar à minha terra. À minha casa.
Este post é para a Quelinha; motivo da minha visita e companhia em tantas viagens iguais.
Texto original postado a 10 de Março de 2010, repostado para a Fábrica de Letras, tema do mês de Outubro: Viagens.
10/10/2011
Who's been a bad, BAD girl?
I have!
Sabem o que é delicioso? Mostrar as garras a quem nos ensinou que as tínhamos.
Sabem porque é que os animais criados em cativeiro se tornam uma ameaça para o tratador, mais cedo ou mais tarde? Sim, há a treta do instinto e tal... mas tambem é porque é irresistível mostrar o nosso poder a quem no-lo ensinou, numa de "o aprendiz superou o mestre".
É uma vertigem, um capricho, ser deliberadamente cruel com quem tantas vezes lamentou eu ser demasiado condescendente e permissiva com os outros. É delicioso.
07/10/2011
Não. Não... Não!!
Ando com os meus fantasmas, eles seguem-me. Conto os passos até casa. O sol vai à frente, a indicar o caminho e a provocar-me os olhos. Baixo negligentemente a cabeça, como se de um transeunte indesejado se tratasse. E avanço em passos rápidos. Para chegar a casa, rápido, rápido. Não, hoje não estou com medo. Hoje estou simplesmente desagradada. Estou tolerância zero para conversa da treta, para ouvir falar mal de quem quer que seja, para estupidez crónica, para amuos mesquinhos. Não me apetece teatro, não me apetece ser compreensiva: balbucio uma desculpa (ou então nem me dou a esse trabalho), ocupadíssima!, e zarpo para outra freguesia. "Não queiras saber de mim, esta noite não estou cá..."
Chego a casa satisfeita e descanso. Não me apetece gente, não me apetece futilidades, hoje estou importante, não quero saber das tuas teorias sobre lâmpadas fundidas, não me enerves com os teus caprichos mesquinhos e problemas de integração mal resolvidos, não me vou dar ao trabalho de te contrariar hoje, a tua voz irrita-me. Não me interessais, hoje.
Chego a casa satisfeita e descanso. Não me apetece gente, não me apetece futilidades, hoje estou importante, não quero saber das tuas teorias sobre lâmpadas fundidas, não me enerves com os teus caprichos mesquinhos e problemas de integração mal resolvidos, não me vou dar ao trabalho de te contrariar hoje, a tua voz irrita-me. Não me interessais, hoje.
Hoje sou senhora do meu nariz e o meu sorriso não está ao preço da chuva, como estais habituados a pensar. Hoje estou, verdadeiramente, num pedestal. Não porque tenha lá subido, mas porque o resto do mundo, e vós lá incluídos, desceu de nível a meus olhos...
04/10/2011
"Meia-noite em Paris"
Antes de mais nada: três vivas para o Owen Wilson que é um tipo extraordinário, admirável, com uma figura super amável, uma carreira muito coerente e constante... e pronto. Gosto do gajo. Até do nariz...
Owen, ma good fellow: "Hip-hip-hip...hurrey" para ti!
Agora acerca do filme... É maravilhoso! Adorável... muito tocante, profundo e comovente, ao contrário do que o título do filme possa sugerir.
Não sei criticar filmes tão fluentemente como o faço com os livros, mas este tocou-me imenso e poderia revê-lo uma e outra vez porque tenho a certeza que encontraria sempre algo de novo: algum pormenor, uma frase, uma lição, um detalhe deliciosamente insignificante que enche de riqueza este filme tão simples e belo, mas de uma simplicidade e beleza enganadoras, cheias de carga simbólica.
Como lado negativo, que não o é verdadeiramente, está o facto de exigir uma certa "bagagem cultural", nomeadamente no que diz respeito a pintores e escritores dos anos 20. Adolescentes como a minha mana, que nunca ouviram falar em Hemingway, Cole Porter, T.S. Eliot ou Dalí, vão passar o filme sem entender peva... Portantos, o meu humilde conselho é: dêem uma ensaboadela na vossa cultura dos anos 20 porque vai ajudar a desfrutar muito mais do filme.
E é um belo filme! Um tesourinho, deveras!
02/10/2011
"As Quatro Últimas Coisas", de Paul Hoffman
O tão aguardado!!!
É o segundo capítulo da Trilogia "O Santuário dos Redentores", sendo o primeiro capítulo "O Braço Esquerdo de Deus", do qual aqui muito entusiasticamente falei...
Esta continuação é menos negra do que o final da primeira parte fazia prever. Fez-me lembrar as sequelas daqueles filmes estilo "MATRIX" ou "Resident Evil", em que o primeiro nos deixa maravilhados e o segundo desiludidos... porque complica e revela lados menos explorados de certos locais, enredos e personagens... E quase sempre isso se revela mais enfadonho do que no primeiro capítulo, que é todo deslumbramento e descoberta... De modos que foi um tudo-nada mais pobre do que aquilo que estava à espera. Além de que vemos algumas das personagens em situações que, por aquilo que sabemos delas da leitura anterior, são um bocado estranhas e inesperadas.
A honra do convento salvou-se porque Thomas Cale continua uma personagem fascinante, com um lado deliciosamente negro e cruel, muito retorcido e maltratado... e também porque a história, à semelhança do que aconteceu no primeiro volume, intensifica-se nos últimos capítulos e, graças ao Redentor Enforcado! (private joke...), faz lembrar o que tanto nos cativou n'O Braço Esquerdo de Deus... De modos que, apesar de ter sido uma leitura aquém daquilo que esperava, eis-me novamente desejosa de pôr as garras na terceira e (espero!) última parte da história!
29/09/2011
Doentinha
Éééééé... estive com um pé na cova na última semana... Pronto, exagero. Foram só três dias. Quanto à parte do pé na cova, é verdadinha. Era assim que me sentia e, pelos comentários compadecidos dos que me encontravam, o meu aspecto era condizente...
Tudo começou no Domingo, após um faustoso jantar de lombo assado com castanhas em casa da avó, que pode, ou não, ser o culpado do meu infortúnio... Certo, certo é que passei os últimos 3 dias de aparelho digestivo totalmente desarranjado, dores constantes por tudo quanto era lado, fraqueza... enfim... Dizem agora que anda mais gente assim e que é capaz de ser vírus, mas a mim tanto se me dá ser parte da epidemia ou ser caso isolado. A dor dos outros não me conforta.
Foram 3 dias longos e dolorosos, dos quais só hoje acordei com um ligeiro alívio... Mesmo assim, e porque todas as experiências são enriquecedoras, mesmo as dolorosas, aqui vai a lista do que aprendi neste transe:
- gosto de apanhar soro. Nunca tinha precisado de nada disso, de modos que pensei "pronto, é desta que me morro" quando, no hospital, a enfermeira, muito simpática, vem com o saquinho na minha direcção... Afinal, foi uma das experiências mais agradáveis da minha vida. Foi a eliminação gradual, mas rápida, de todo o desconforto, cansaço e dores. Um oásis no deserto inóspito que estava a ser o meu dia. 40 minutos de total relaxamento e recarregar de baterias. Maravilha... Viva o buscopan!
- sou um bicho solitário. Sofro só. Não quero ocupar os outros com os meus achaques nem quero que me vejam quando não estou no topo da minha forma, física ou intelectual. Não sei qual das duas pesa mais; sei que recusei toda a ajuda e acompanhamento e não avisei ninguém do meu estado. Há quem goste e precise de ser apaparicado. Eu não. Se calhar houve uma pessoa ou outra que ficou um bocadinho sentida comigo, mas que posso fazer? Se sinto que vou virar o barco, dispenso audiência... =)
- tenho pouca ou nenhuma tolerância à dor. Pelo menos, já vi várias vezes pessoas com dores que imagino serem piores do que as que senti, e não fizeram nem metade das caretas ou lamúrias que eu fiz... nem passavam o dia a dizer "a vida é dolorosa", como eu.
- sou uma péssima doente. Difícil de tratar, quero dizer. Isto porque, todas as comidas que me indicavam que seriam menos agressivas me desagradavam e me enjoavam... Canjas, sopas brancas, arroz cozido e semelhantes... Fico pior com a cura do que da doença em si.
- e último: por estar tão fraca, tinha que falar muito baixo, em tom monocórdico, e fazer pausas para respirar de 4 em 4 segundos, caso contrário, sentia tonturas. (Isto é muito contrário ao meu habitual, que é falar alto, de forma muito expressiva e veemente, a gesticular freneticamente e sem respirar durante 2 minutos.) Há aquelas pessoas que falam sempre, SEMPRE, como eu na minha versão doente. Se isso antes me enervava, por achar que eram pessoas frustradas, desanimadas, moscas-mortas e outros nomes feios, agora vou ser compreensiva. Quem sabe se essas pessoas não andarão permanentemente no estado em que eu me encontrava? Tenho que ser mais simpática com elas...
21/09/2011
Eu finjo
Pois está claro que finjo. Podes condenar-me?! Mas o meu fingimento não é como os demais... O meu fingimento é na proporção do meu amor. Quanto mais te amo, mais preciso fingir.
Finjo que não dependo da visão de ti para respirar, nem de te tocar para ouvir uma melodia que mais ninguém ouve, nem de sentir o teu cheiro para que o doce saiba a doce... Sinestesias, não é como chamam à intersecção de sensações? Finjo para que penses que estou contigo por opção, por vontade, não por dependência.
Finjo gostar de todas as tuas piadas, finjo não me importar que te atrases, finjo não reparar nas bacoradas que dizes, finjo nunca estar cansada para ti, finjo que não sinto o estômago revolto de cada vez que te vejo ou que se diz o teu nome, finjo não sentir um
micro-arrepio de cada vez que ouço a tua voz, finjo não sentir ciúmes do tempo que não passas comigo, finjo alegrar-me efusivamente com as pequenas ninharias que te fazem feliz... Finjo ajustar-me perfeitamente a ti.
Se não te amasse tanto, dava-me tal como sou. Em vez disso, sou uma fraude, mas uma fraude perfeita para ti.
E depois asfixio. Porque "o mundo do fingimento é uma jaula, não um casulo". Finjo por ti, por amor a ti. Finjo para te saber merecer e depois, porque é tudo fingimento, perco-te por não te saber ter.
Escrito para a Fábrica de Letras, mês de Setembro, tema: Fingimento.
11/09/2011
11 Set - 10º aniversário
No princípio, a Humanidade era una.
E o Homem reconhecia o seu semelhante e distinguia-o dos outros animais pelos dons que lhe haviam sido dados: pela postura erecta, pelas mãos ágeis, pelo sorriso, pela voz.
E o Homem formou tribos, sociedades, uniu-se e trabalhou para o Bem comum.
Depois, chegou o tempo em que o Homem já não se reconhece a si próprio e usa a sua postura para ameaçar, as mãos para esmagar, o sorriso para escarnecer e a voz para amaldiçoar.
Como chegámos a isto?
08/09/2011
Coisas que me ficaram na cabeça mais tempo do que seria suposto
Número 1: A minha amiga tem olhos bonitos. Fica conhecida, por quem não sabe o nome dela, como "a menina dos olhos bonitos". Eu sabia isto; eu própria usei isso para a distinguir, quando a conheci! "Fulana de Tal, a dos olhos bonitos!". Mas, mesmo assim, pareceu novidade quando alguém o referiu, ontem. Como se, por convivermos tanto, eu deixasse de "a ver" ou de reparar nesses pormenores.
Pensamento que ficou: neste caso, como em tudo, as coisas boas vulgarizam-se com a convivência e deixamos de as ver e valorizar. (Minha querida, Adorable One, não que tu te tenhas vulgarizado, estou só a estabelecer o paralelismo.) :D
Número 2: Há cada vez mais pedintes por todo o lado. Quando vou buscar o carro ao parque de estacionamento, além dos habituais arrumadores, agora temos pedintes que nem nos ajudam a arrumar o carro; pedem, simplesmente. No parque do Supermercado, uma cigana; dentro do Supermercado, dois membros de uma Associação, com uma banquinha; no mercado, atiram-me um calendário para a mão com AJUDE-ME e coisas mais; pelo telefone, alguém que anda a angariar fundos para construir não sei o quê...
Pensamento que ficou: certo que isto é um sinal de que a crise está aí, pior do que nunca. Mas também um sinal inequívoco de que cada vez mais nos encostamos de mão estendida em vez de fazer algo construtivo com ela.
Número 3: Todas as semanas me ligam para casa, de todas as operadoras existentes, para apresentar um novo serviço de Internet, telefone ou TV por cabo... e cada vez mais eu percebo menos do que me estão a dizer, tal é a fiada de serviços e tecnologias XPTO que esta gente invoca.
Pensamento que ficou: a tecnologia evolui tão rapidamente que, se não me ponho a pau, daqui a nada estou convertida num dinossauro que, como a minha avó, tem que chamar alguém competente para atender este tipo de chamadas.
Número 4: Tenho 24 anos, sei fazer um arroz seco, sequinho, irrepreensível, durinho e que se separa todo no prato... mas sou incapaz de estufar uma posta de peixe que não se desfaça toda dentro do tacho, ficando com um aspecto mais de caldeirada do que de posta estufada.
Pensamento que ficou: aos 24 anos (quiçá antes?) a minha capacidade de aprendizagem congelou. Estou de disco cheio. HELP!
Não gostei de nenhum dos pensamentos que tive hoje.
07/09/2011
Apetecia-me mesmo.... # 9
Imaginem eu a dançar, incorpórea e vaporosa... Que deliciosa visão de mim, hoje que o cansaço físico me fez ceder ao tentador abraço do sofá...!
Como seria fácil estar e ir para todo o lado, ser uma presença leve, literalmente leve... E
esquivar-me instantaneamente, quando sentisse dever ou querer. Sumir-me, eficazmente. Sem precisar de fôlego que me animasse ou chão que me sustentasse. Como seria irresponsável e alegre...!
Hoje queria ser volátil, etérea, surreal. Como os aromas de um cálice de Vinho do Porto. Como o álcool que inebria e depois se evapora, irresistívelmente. Impossível de conter entre duas mãos fechadas ou paredes castradoras. Ser volátil por inteiro, não "ter personalidade ou espírito volátil". Isso eu tenho e não é motivo de orgulho. Além de ser tão útil e frustrante quanto o par de asas que tem uma avestruz.
Não. Eu queria ser era volátil de inconstante, de esquiva, de irreal.
"Porque a recompensa de não existir é estar sempre presente". Fernando Pessoa
02/09/2011
01/09/2011
Bicho do Mato
Sou.
Eu sei. Eu já sabia, só que não me lembrava.
Ninguém merece viver comigo porque eu também não sei viver com ninguém.
Chegar a casa a pensar que vou comer deliciosos Redon* e descobrir que já foram comidos deixa-me mal disposta para o resto do dia, quiçá da semana? Não estou a ser mesquinha. O jantar foi para dois, a dose dava para quatro, eu comi pouco, e não haver nada no dia seguinte... é de me atirar ao ar!
Chegar a casa e ver que aquela velinha cheirosa que comprei já foi encetada enquanto eu nem estava em casa, põe em desatino os meus instintos possessivos mais básicos.
Já para não falar de chegar a casa e ter uma chave enfiada no lado de dentro da porta... quando a ocupante da casa está de fones... (será que é phones?)
Acabou o sossego, acabou a previsibilidade das coisas, acabou eu deixar algo à mão de semear porque, quando voltar, já terá passado um furacão que mudou tudo de sítio e espalhou meias e sapatilhas e elásticos de cabelo em todas as divisões da casa.
Coisas inúteis como pastilhas elásticas e bandoletes estão em cima da mesinha da sala, quando o que eu queria lá era o meu livro, para lhe pegar quando me sento no sofá... onde é que ela pôs o meu livro?
Sou Bicho do Mato, pronto... Começa a chegar a hora de arranjar a minha própria toca.
* Redon: Forma erudita de dizer "restos d'ontem".
31/08/2011
27/08/2011
(Anti-)Heróis
Já se puseram bem nos nossos Heróis?
Não falo dos Super, que voam, têm força sobre-humana e visão raio X. Falo dos Heróis dos romances que lemos, das novelas que seguimos, dos filmes e séries que vemos e das músicas que ouvimos. São Heróis completos, íntegros e altivos. Inteligentes e especiais. Só eles é que vêem certas coisas, só eles é que actuam de determinada forma. Corajosos. Mesmo que o género seja a comédia e, a princípio, pareçam tão corajosos como o Scooby-Doo, que foge mal imagina um fantasma, a determinada altura irão revelar-se valorosos e ousados lutadores pelos seus ideais.
São ou não são todos assim? Mesmo os anti-heróis, que as professoras de Português tanto nos martelavam; mesmo esses tinham um charme e encanto irresistíveis, uma teimosia e obstinação que se confundiam com perseverança, uma maneira sensual de suportar as dores estóica e pacientemente, e uma força interior absolutamente surreal.
São estes os nossos Heróis.
E é por causa destes altos exemplos que nós rastejamos tantas vezes, confrontados com as nossas limitações.
Se eu criasse um Herói, ele haveria de ser desajeitado e molengão. Convencido e egocêntrico. Haveria de ser hipocondríaco, tremer ante a simples ideia de sentir dor; ser inseguro e mesquinho, desatento aos pormenores, muito pouco perspicaz, sofrer de verborreia e de um tique nervoso qualquer. Haveria de acordar a meio da noite com baba a escorrer pelo canto da boca e ter sujidade entranhada nos cantos de difícil acesso das unhas; ser casmurro e orgulhoso, muito pouco altruísta, ter humor flutuante e fazer a vida negra a todos os desgraçados que com ele se cruzassem. Haveria de ser prepotente e autoritário, disfarçando isso com uma máscara de organização e capacidade de liderança extremas. Haveria de ser socialmente inapto e auto-comiserativo.
O meu Herói haveria de ser um cocktail-molotov de defeitos e incongruências. Só porque sim. Só porque, se houvesse um herói assim, seria mais fácil nós acreditarmos que seríamos também capazes de ser Heróis nas nossas próprias vidas, em vez de nos sentirmos personagens secundárias de quando em vez...
23/08/2011
Do I look like I care?
Chovia a potes, o céu rugia em trovoadas espectaculares e o mundo tinha escurecido, encolhido, pequeno ante a tormenta. Eu estava de sandálias mas tinha o coração cheio porque vi amigos e ouvi vozes de há muito tempo atrás. Cheguei a casa enregelada e esfomeada mas há algures uma foto, tirada no S. Leonardo, rodeada por nevoeiro, que regista e atesta a nossa ousadia. We didn´t care. I didn't care.
24 horas depois, amigos novos, de há pouco tempo, gozavam a sua primeira monumental borracheira e lá vou eu, armada em São Miguel Vingador, separá-los do rebanho tresmalhado, maternal e ameaçadora: "tens 20 segundos para te pores dentro do carro!". Talvez os vizinhos tenham visto, talvez tenham comentado... Mas, mais uma vez, do I look like I care? Deixei-os em casa, e voltei sozinha para a minha, a pensar que não mando nem decido nada. Eles tocam. Todos eles. Tocam e eu danço.
"O Bom Inverno", de João Tordo
Gostei, porra... Gostei muito. Este jovem tem toneladas de criatividade... e desconfio que vibrou com a Saga SAW. Mas mais não digo. =)
Hum... mas talvez diga mais qualquer coisa... É extremamente assertiva, a escrita de João Tordo. Limpa, directa, mas muito vívida. Todas as suas personagens têm algo de fascinante e misterioso. É um tipo de romance negro, daqueles que hoje já ninguém considera nada de extraordinário, por ser uma fórmula tantas vezes repetida e reproduzida no cinema, mas que ele soube misturar de forma genial e rechear de pormenores encantadores.
A coisa evolui em crescendo, e vai crescendo cada vez mais, de modo que as últimas 70 ou 80 têm que ser lidas de uma assentada, ou não conseguiremos concentrar-nos em mais nada, tal é a tensão...
Caso queiram saber mais, podem sempre ler a Sinopse porque, para variar, esta foi bem escrita e serve perfeitamente para nos espicaçar a curiosidade na medida certa, guiando-nos no bom caminho para uma iniciação à trama, sem usar artíficios de publicitário que depois se revelam inadequados...
17/08/2011
Eu... abusou.
Foi um abuso... Abusei da boa disposição... Abusei da euforia, da alegria, da companhia de todos. Dancei com todos(as) os(as) desgraçados(as) que tiveram o azar de me aparecer à frente, ri até me doerem os maxilares, estiquei a resistência até sentir doer o corpo e vim para casa às 7h da manhã... Tivemos um momento particularmente bonito, em que brindámos com a primeira cerveja da noite, desejando estar ali novamente, naquele ambiente, com aquelas pessoas, dali a um ano. Cursos terminados, trabalhos estáveis, felizes, um pouco mais ricos... ou talvez não. Mas que estivéssemos juntos! E abusei escandalosamente, rodopiei entre braços amigos e ri sob olhos optimistas.
Foi um abuso chegar tão tarde (ou cedo) em dia de almoço com a família cá em casa... e procissão ao fim da tarde...
Andei sonâmbula e insensível durante os últimos dois dias, dava por mim a contar a mesma coisa à mesma pessoa mais do que uma vez, a não me lembrar se já tinha falado com a minha mãe ao telefone, a fechar os olhos involuntariamente onde quer que estivesse, a ter frio e calor alternadamente... Hoje acabou, oficialmente. Para acabar em grande, regateei uns ray-ban estilo aviador roxos que valiam 30€ e eu trouxe-os por 15€...
Abusei. E a ressaca há-de vir. Não sei como me vou levantar amanhã para a partidinha de ténis que, estupidamente, marquei para as 10h30. Mas não é só o cansaço que temo. Temo também a solidão. Porque, logicamente, a solidão pesa mais depois de nos termos sentido acompanhados. E o abandono grita alto nos primeiros momentos em que os nossos ouvidos, já habituados ao ruído, encontram alguma calmaria. Vou dormir...
14/08/2011
14 de Agosto
...e é isso... Estou contente, bem disposta, expectante e, sobretudo, em paz. Porque o dia de hoje traz sempre uma trégua, uma anestesia. Por horas esquecemos pecados antigos, esquecemos que crescemos e deixámos de nos conhecer e sabemos viajar no tempo e brincar e viver o 14 de Agosto (a noite mais especial das festas cá da terra) como fazíamos antes de tudo, há anos, há eternidades.
No ano passado escrevi sobre a Ressaca. Pois bem... Ela há-de vir, novamente.
Mas hoje é 14 de Agosto, é a noite da borracheira... Botaaaaaaaaaaaa!!!
05/08/2011
Evolução
É lenta e gradual. Se observada de perto, todos os dias, passa facilmente despercebida mas, se não pensarmos nela, surpreende-nos ao fim de algum tempo.
Vejam o meu caso... Eu tinha faltas de ar quando me passava pela cabeça que, em algum momento, alguém me teria desejado mal, amaldiçoado, odiado, apontado defeitos, pensado ou comentado o quão intratável sei ser. E andava permanentemente num frenesim de auto-aperfeiçoamento e adaptação... e tinha muitos ataques de asma.
Agora ouço que falam e comentam e coiso... O meu humor flutuante, as minhas mesquinhices egocêntricas, a minha pseudo-omnisciência... E não me ralo.
Porque, pela primeira vez, não questiono os meus impulsos e motivos, porque confio no meu poder e na minha Razão.
E sabe bem... Sabe infinitamente bem.
Eu sou "O Louco".
Impetuoso e imprudente. Irreflectido e perturbado. O que dança diante de olhos acusadores e cuja exuberância chega para camuflar a tristeza latente em tudo e anular bobos e carrascos.
03/08/2011
"Valete de Copas e Dama de Espadas", de Joanne Harris
Hum... gostei...! Eu não li "Chocolate", mas li "Vinho Mágico" e confesso que aquele lado fofinho da Joanne Harris é fofinho mas não me seduz nem encanta... Acho que ela tem uma capacidade genial para criar ambientes góticos, obscuros e arrepiantes... Foi o que me atraiu n' "O Rapaz de Olhos Azuis" e foi, sem dúvida, o que gostei neste romance. É um emaranhado de vícios e culpas, personagens sedutoras com personalidades sombrias e retorcidas, uma pitadinha de magia, oculto e experiências sobrenaturais, sem chegar ao absurdo do exagero que, tantas vezes, me desinteressa. Tem tudo na medida certa. Gostei imenso.
É a história de Henry Paul Chester, um pintor frustrado, com um passado muito especial, que se encanta por uma criança, que usa como modelo e com quem, mais tarde, casa. Effie, por seu lado, vive desde a sua infância sob a influência e controlo obsessivo daquele homem, que começa por amar, mas depressa passa a desprezar pela personalidade sinistra e fria. Conhece, então Mose Harper e Fanny, duas personagens fascinantes mas traiçoeiras que têm um interesse obscuro em a ajudar a libertar-se do domínio de Henry... E está lançada a teia fatal!!! A-ha-ha...!
Pronto, esta parte final foi um bocadinho exagerada, mas o livro faz lembrar um bocadinho aqueles ambientes cinzentões do Tim Burton. É fascinante.
31/07/2011
"Qual é o melhor dia pra casar..."
"...sem sofrer nenhum desgosto?
O 31 de Julho porque depois entra Agosto."
O 31 de Julho porque depois entra Agosto."
Passei parte do dia a cantarolar esta música... Acordei após 4 horas de sono, não porque sofra de insónias mas porque fui aproveitar a festa fluorescente nas piscinas... Com direito a pinturas faciais e tudo! De modos que caí na cama às 4h30 mas às 8h30 já estava a pé e, surpresa das surpresas, bem humorada!
Mandei mensagem de aniversário simples, mas profunda e sincera, ao amigo que já não o é e, ao invés do "obrigado" seco que esperava, e que me deixaria indiferente, veio um "muito obrigado por te teres lembrado" e beijos, que me deixaram triste, saudosa, e outras coisas confusas e desconfortáveis.
E estava a ouvir esta quando a dita mensagem chegou...
Seagull, dos Bad Company
27/07/2011
O Jogo das Cartas
Não quero nada. Nego-te tudo.
E, no momento seguinte, danço só para que me vejas melhor.
Digo-te que não. Nego-te aos que me perguntam sobre ti. E mesmo assim, irresistivelmente, lanço-me para debaixo da tua alçada sem que o desejes ou esperes.
Não o desejaste? Confessa...
Não, não mo digas. Vou desprezar-te se me confessares que me quiseste e vou sufocar se, depois disso, voltares a procurar-me.
Prefiro-te assim, cego e ingénuo. Crente de que decides tu quando vens e esperas por mim quando, de facto, sou eu que te sugiro a ideia de vires e espero que te imobilizes para fazer eu o resto do caminho.
Vamos jogar às cartas... Senta-te à minha frente, vais ser o meu parceiro. Olho para o lado mas mantenho-te numa nesga do meu ângulo de visão. Recuso-me a olhar-te de frente porque sei que me vais desarmar.
Olhei. E lá está a tua certeza, que me anula.
Faz-me sinais. Discretos, para que os outros não percebam o nosso jogo. Chiuuu... Não sabes que este jogo foi inventado por mudos? Joga para mim...
22/07/2011
Sou estranha...
...sou tão estranha que, quando vejo um episódio de "Scrubs", que até é uma série engraçadita, passo um tempo considerável (tipo, imeeeeenso tempo, mesmo) a observar as pessoas que se movimentam atrás da cena principal, atendendo telefones, escrevendo ou organizando fichas e outras coisas mais... E penso "eh, pá... isto tá mesmo muito bem feito... a quantidade de gente que eles envolvem nisto...!" E lá fico eu, mais uns minutos, completamente alheada do diálogo que está a ser travado, apenas concentrada naquele vai e vem de figurantes vestidos de médicos, enfermeiros e ocasionais doentes, que aparecem, rodopiam, cruzam o centro da cena e saem por uma porta ou desaparecem na esquina de um corredor, como se num bailado estivessem... Maravilhoso!
Chegam ao pormenor de, de vez em quando, passarem mesmo à frente da câmara, ocultando durante 2 segundos as personagens principais da cena que se está a desenrolar. É brilhante!
16/07/2011
That's Right: I'm Good!
nota: a afirmação do título deve ser entendida como algo momentâneo e transitório. Como tal, o "I'm" significa "estou" e não "sou"... boa, neste caso.
...Além de que ontem recebi um elogio maravilhoso. Sou encantadora, para resumir. E com pessoas encantadoras não se brinca.
É que há aqueles momentos de inspiração divina e deliciosa falta de contenção verbal, em que falamos ininterruptamente durante mais segundos do que aqueles que pensávamos que os nossos pulmões e diafragma conseguiam aguentar, e que resultam, não num desmaio, como seria lógico pensar, mas numa erudita enxurrada de contestações, críticas e "meto-te num bolsinho" e "não ando aqui a dormir", que em boa hora vem vingar alguns sapos engolidos e previne já futuros ultrajes... O mais extraordinário disto tudo é ter sido o chefe a originar e a levar com a dita enxurrada. E isto é extraordinário porque, normalmente, o chefe é quem provoca, nunca quem leva. Mas hoje estou boa... Tão boa que consegui fazê-lo sem o afrontar directamente ou desrespeitar. Curta e de fininho...
...Além de que ontem recebi um elogio maravilhoso. Sou encantadora, para resumir. E com pessoas encantadoras não se brinca.
11/07/2011
I haven't been feeling like myself...
Se há coisa que me desagrada e incomoda... mais do que aquelas pessoas que, no supermercado, deixam os carrinhos abandonados no meio do caminho para se porem à conversa, é ir lavar o carro e ter na fila atrás de mim um carro só com homens... É que por muito que eu tente NÃO ser sexy, há qualquer coisa no acto de lavar um carro que transpira sensualidade... E eu levo camisolas que não sejam muito curtas... E evito levar saltos altos... E tento não colocar o jacto de água de modo a que venham micro-gotas projectadas em ricochete em direcção a mim, deixando-me a pele brilhante (e pegajosa)... E então se estiver sol, o efeito é ainda mais fantástico porque temos ocasionalmente aquele efeito arco-íris...
Enfim, eu juro. Eu tento não ser sexy. Mas uma mulher a escovar o capot de um carro (ainda para mais, um Super-Super-Lancia Y, como o meu), a direccionar um jacto de água para o tejadilho e a limpar as jantes é naturalmente apelativo... Digo eu. Pelo menos, eu penso sempre que, para esta prática merecer censura, só faltava pôr-me de joelhos em cima do capot, a morder a esponja e a cantar "working at the car wash..." Assim ao estilo da porca da Jessica Simpson...
Enfim, eu juro. Eu tento não ser sexy. Mas uma mulher a escovar o capot de um carro (ainda para mais, um Super-Super-Lancia Y, como o meu), a direccionar um jacto de água para o tejadilho e a limpar as jantes é naturalmente apelativo... Digo eu. Pelo menos, eu penso sempre que, para esta prática merecer censura, só faltava pôr-me de joelhos em cima do capot, a morder a esponja e a cantar "working at the car wash..." Assim ao estilo da porca da Jessica Simpson...
nota: este deve ser o post mais ordinário que alguma vez escrevi... Mas eu avisei que não estava em mim... (ver Títalo do post).
05/07/2011
Segredo é o que se diz baixinho ao ouvido de toda a gente
Eu tenho uma tatuagem. Isso não é segredo. Mas tenho a minha tatuagem como quem tem um segredo. É na omoplata: passa a maior parte do tempo coberta.
Há pessoas a quem digo que a tenho, há pessoas a quem a mostro e há pessoas que não fazem a mínima da existência dela...
Quando estou exuberante, uso alças ou tops que a deixem completamente descoberta... mas se encontro alguém mais velho ou conservador ou que eu ache promíscuo, posiciono o corpo de forma a que não seja visível. Quando estou mais séria ou macambúzia, cubro-a. Quando estou provocadora, uso uma t-shirt sem mangas que deixe ver apenas uma pontinha... Porque tem infnitamente mais graça mostrar só um pouco do que mostrar tudo. Para apimentar a curiosidade. Para despertar vontade de conhecer o resto.
Já houve quem torcesse o nariz ao vê-la, como que condenando a atitude e a profanação irreversível do meu corpo. Já houve quem a elogiasse por ser bonita. E já houve quem dissesse baixo, com cumplicidade e apetite, "adoro tatuagens...".
Tenho-a. É minha. Partilho-a ou não, conforme me apeteça. Uso-a. Ostento-a ou escondo-a. É conforme.
Não será isto, afinal, o que fazemos com os nossos segredos?
Para a Fábrica de Letras. Mês de Julho, Segredo
25/06/2011
Ausência líquida
Este post é a minha resposta ao desafio de escrita criativa lançado pela Eva, a mui genial autora do blog Including the Kitchen Sink. Claro que espero que ela goste do resultado, mas também confesso que, independentemente disso, me deu muito gosto escrever um texto que incluísse uma banca de cozinha...
Era de dar pena aos móveis, o arrastar daquela ausência pela casa. Não é que a casa alguma vez tivesse sido dele. Não é que alguma vez ele tivesse sequer lá posto os pés... Mas ela sentia-lhe a falta a toda a hora, em todo o lado, inclusive nos sítios que ele nunca preenchera, mas que ela gostava de imaginar como ficariam com ele lá pousado. Imaginava-o assim: pousado, derramando-se sobre as coisas, demasiado esbelto para ser real, funcional, vivo ou independente. Não. Uma composição daquelas não podia ter existência como os reles mortais, comer, dormir e sonhar como eles.
Perdera horas, dias, toda a sua vida na contemplação anónima e distante daquele fenómeno e agora havia ausência. E ela regava de lágrimas os sítios escurecidos pela falta dele. Toda a casa era um lago deprimente e baço, que reflectia apenas ausência. A banca da cozinha era o sítio predilecto, sem espelhos por perto que duplicassem o pranto; o ralo absorvendo e escoando placidamente as lágrimas que tinham a sorte de cair ali e poder escapar, em vez de rolarem num outro recanto inerte e estéril da casa, onde ficariam a acumular e apodrecer.
Sucediam-se dias de sonambulismo choroso, até que ele reapareceu, sem aviso ou razão, etéreo e luminoso, como sempre. E quis derramar-se junto dela. Que voltara, que não voltaria a ir, que queria que ela o quisesse.
Levou-o pela mão até casa e viu confirmar-se o efeito que sabia que teria a luz e o cheiro dele espalhados pelos objectos. Pairaram enrolados um no outro e foram enxugando com as suas emanações de calor as poças lacrimosas acumuladas por toda a parte. E não houve pedaço de chão, fímbria de parede ou peça escusa de mobília que não fosse tocada pelo bafo fogoso que tudo tocava e sarava. Incluindo a banca da cozinha.
22/06/2011
"A Filha do Capitão", de José Rodrigues dos Santos
Um à-parte: Padrinho! Querido, adorado Padrinho! Lembras-te? Falavas muitas vezes neste livro... Lembrei-me de ti todas as vezes que olhei para a capa! =)
Se ainda não leram: Leiam! É uma grande obra, um grande romance. E não me refiro, obviamente, às 600 e tal páginas. É uma história que começa dividida entre o Portugal e a França da última década do sec. XIX, onde acompanhamos a primeira infância, crescimento, adolescência e juventude de Afonso e Agnès, respectivamente, e que continua e culmina na Primeira Guerra Mundial, acontecimento trágico que possibilitou o encontro de ambos.
O romance é envolvente e o relato histórico, apaixonante. É evidente por diversas vezes um exaustivo trabalho prévio de pesquisas e consultas a documentos históricos e merece um tremendo reconhecimento o levantamento e partilha de tantas informações detalhadas e narradas com extrema sensibilidade e graça acerca da vida dos portugueses arrastados pela mão da nossa velhinha aliança com Inglaterra para as Trincheiras. (As "trinchas". Amei! Amei o pormenor de ser respeitado o jargão militar das trincheiras.)
Sempre tive um fraco pelo tema das duas Grandes Guerras e, também por causa disso, atirei-me avidamente a este romance. Já há muito tempo que não lia a um ritmo de entre cerca de 60 a 70 páginas por dia... Soube bem.
Sempre tive um fraco pelo tema das duas Grandes Guerras e, também por causa disso, atirei-me avidamente a este romance. Já há muito tempo que não lia a um ritmo de entre cerca de 60 a 70 páginas por dia... Soube bem.
Agora, para quem já leu...
Se quem ainda não leu continuar a ler o post, depois não venham cá reclamar que eu sou uma tristeza e estrago o suspense todo...
É horrível... Ho-rrí-vel. Não há direito de escrever uma história destas, que me sugou a atenção até quando não estava a ler, do género de estar no trabalho a pensar "Mas o que é que irá acontecer, meu Deus??Oxalá não sejam desgraças!!"... Dizia eu, escrever uma história destas, pôr-me ansiosa, literalmente ansiosa e angustiada, a coleccionar todo o tipo de presságios negros acerca do destino dos nossos heróis, atirados e abandonados lá pelo frio lamacento das trinchas da Flandres, a temer por eles, como se de um relato actual se tratasse... E depois não os presentear (a eles e a mim) com um final feliz. Não há direito. Eu chegava a ter medo de continuar a ler, para que não acabasse, para que não acontecesse o pior... Mas em vez de abandonar a leitura, lia ainda mais depressa, para saber...
Na capa lê-se Romance mas eu tenho tendência para associar Romance a Novela, e este Romance vai para além disso. Isto é uma história de amor. Não o amor evidente entre um homem e uma mulher, as duas personagens principais, mas um amor maior e mais alargado, pelo país, pela História e pelos costumes, pelos superiores e pelos amigos e camaradas, pela vida, pela justiça, pela alegria, por Deus ou pelo Fado, pelas pequenas coisas, por um prato de bacalhau om batatas e um fio de azeite, por uma moça bonita e roliça.
Sobressai uma exaltação e uma homenagem aos Portugueses que fizeram a Primeira Guerra. Considerados uns labregos, quer pelos bifes, quer pelos franciús, desprezados e gozados pelos boches do lado alemão. Acostumados às nossas temperaturas medianas, sofrem os horrores do frio glacial da Flandres e usam os tradicionais coletes de pele de carneiro, merecendo, por isso, a caricata alcunha de lãzudos, por entre as tropas inimigas, que se punham a fazer Mééééééé de cada vez que viam um português espreitar sobre os parapeitos da Linha da Frente. Os mais desorganizados, sem dúvida. Os mais pobres e sujos. Os menos motivados para a batalha, afinal a Guerra nem era nossa... Abandonados e esquecidos lá longe, enquanto o país se via a braços com os probemas e crises da recém implantada República.
Mas, apesar disto tudo, de uma grandeza, um estoicismo e uma humildade inspiradoras. Fiquei verdadeiramente tocada e, claro, escusado será dizer, lá me pus eu a choramingar em duas ou três ocasiões e mais outra no final... Sou uma tristeza. Este livro é uma tristeza, por me pôr assim. É que é tão lindo...! Pronto, já desabafei. Vou calar-me... Talvez ainda chore mais um bocadinho quando for para a cama hoje...
(Mas atenção. Eu não gosto dos livros que nos fazem chorar. Livros feitos para nos fazer chorar, género Nicholas Sparks e mais não sei quê... Gosto daqueles que comovem por nos envolverem e conquistarem. Não por relatarem desgraças. E este é definitivamente do segundo grupo.)
20/06/2011
Auto-estima
...é uma coisa complicada. Sempre achei que a minha andava nos píncaros até ser atacada por crises de ansiedade e agorafobias e depressões. Aí, percebi a subtil diferença entre auto-estima e auto-confiança. Não tendo a segunda, a primeira mirra. Porque de nada vale amarmo-nos e aceitarmo-nos se acharmos que os outros não o farão. A minha auto-estima tornou-se rasteira com a depressão e tem sido um longo e penoso caminho ascendente que tenho feito a partir de então... Ocasionalmente ainda me sinto tão bonita quanto um esfregão, tão bem-feita quanto um cabide, tão inteligente quanto aquilo que os livros da treta que leio permitem e tão eloquente quanto um disco riscado, a repetir sempre o mesmo mambo-jambo...
Até julgava que nos últimos tempos estava no bom caminho mas... Encontrei um conhecido que raramente vejo e que, anos atrás, jamais olharia para mim como deve ser ou me mandaria um piropo... Porque vivia rodeado de miúdas mais vistosas e eu nunca fui um "naco"... Mas, desta vez, olhou... E lá veio o piropo... Uma pessoa com auto-estima sã pensaria: "boa... estou melhor... Subi de nível...".
Eu pensei: "os standards dele estão mais modestos...".
15/06/2011
"Jesusalém", de Mia Couto
Foi a primeira vez que li Mia Couto... Estava curiosa e um pouco receosa de não conseguir entender bem a sua escrita, caso ele usasse demasiados termos específicos da gíria africana, como faz Pepetela... Não foi o caso. A escrita dele lê-se lindamente, tem ritmo e musicalidade, vai usando gerúndios e "vocês", assemelhando-se ao Português do Brasil.
Jesusalém é uma viagem a um país à parte. Estranhamos um pouco, ao início, mas ao fim dos primeiros capítulos já "entramos na onda" do livro. É uma "estória" estranha, pouco provável, mas plausível. Não me secou, mas também não me fascinou. Percebi haver uma infinidade de mensagens profundas, paralelismos e associações, críticas ao nosso modo de viver e pensamentos elvados, mas não me detive longo tempo a pensar neles... A minha veia filosófica não anda particularmente activa. Passou-me um pouco ao lado... Além disso, desagradou-me a descrição quase explícita da relação, chamemos-lhe íntima, de uma das personagens com, imagine-se, uma burra, de seu nome Jezibela. Ao ler esse capítulo pensei "hum... isto não é para levar muito a sério". A continuação da leitura provou-me estar errada (embora de quando em vez lá viesse a ideia do homenzinho mais a burra... Seriously?!).
É um óptimo livro para quem gosta de se abstrair do real e normal, para quem gosta de embrenhar numa situação impensada e completamente nova. Em Jesusalém tudo é novo e diferente, há regras e práticas, não há história ou tradições, não há futuro ou projecções. Há o presente de um punhado de personagens num mundo oco e limitado, a descobrirem o seu universo interior, onde reinam culpas e crimes, medos e mágoas, rancores e amores profundos.
Confesso, mais do que a história, em si, fiquei a gostar da escrita de Mia Couto. É eriquecedora e profunda. Carregada de sapiência e serenidade. Escolhi este excerto. Há-os mais ricos, mas este tocou-me mais profundamente, por me parecer falar directamente a mim.
"O nosso maior medo (das mulheres) é o da solidão. Uma mulher não pode existir sozinha, sob o risco de deixar de ser mulher. Ou se converte, para tranquilidade de todos, numa outra coisa: numa louca, numa velha, numa feiticeira."
13/06/2011
Fight Club
Na véspera, já só consigo pensar nisso... Que está quase! Stress acumulado, frustrações engolidas, ultrajes suportados... tudo ficará sanado em meia dúzia de golpes enraivecidos.
No Dia D, visualizo e anoto mentalmente motivos e pretextos. Devem ser todos bem insuflados para que nenhum atentado ou nódoa fique sem resposta e para que não me falte a convicção, a força e a raiva em algum dos assaltos. Tudo devidamente avivado e catalogado, começo a preparação. A adrenalina já sobe e as mãos tremem-me enquanto aperto com força os atacadores das sapatilhas. A roupa é confortável, sempre. E larga, solta. Para que não prenda ou refreie os movimentos.
Parto confiante e feliz e vou ganhando confiança e estatura à medida que avanço. Mal posso esperar por ouvir o primeiro toque do gongo. O começo é sempre moderado, um aquecimento, uma habituação aos movimentos pouco costumados. Estico o braço direito, punho bem cerrado, nós dos dedos cortando o ar, o tronco acompanhando o movimento do braço para dar mais intenção ao golpe. Preparo uma série de joelhos aguçados e termino com pontapés bem lançados.
Diante dos meus olhos desfilam rostos, ora sorridentes, ora amolgados pela força vingadora da minha sapatilha. Viro-me, troco de perna e recomeço. Ouço as vozes dos que me atacaram e abafo-as com os meus gritos de guerra, dignos dos filmes do Van Damme.
O ar, pobre dele, não me responde e é por isso que, com meia dúzia de golpes e Yahhhhhhhs! eu consigo sentir-me quite com o mundo e com os outros. A sala está cheia de gente que, apesar de concentrada no mesmo que eu e repetindo os mesmos golpes, está imersa num mundo só seu, a curar os seus próprios rancores.
O Body Combat é isso. Uma espécie de Fight Club onde todos se respeitam demasiado para se agredir entre si. Em vez disso, vamos golpeando o vazio à nossa volta, preenchido por cada um ao sabor da sua raiva. Os espelhos vão embaciando, como se a ira se evaporasse directamente pelos poros e se fosse colar ali, visível e apaziguadora.
Chegádos cá fora, ninguém suspeita o ritual que levámos a cabo. É doloroso e cansativo, mas essencial. Terapêutico. Porque não podemos agredir, esbofetear e pontapear abertamente o pessoal que por aí anda, mesmo que mereçam. Aquela sala é confessionário e sanatório, onde descarregamos sem o risco de que outro punho venha desenfreado em direcção às nossas caras larocas.
Para a Fábrica de Letras, mês de Junho - "Os Problemas Resolvem-se à Chapada"Parto confiante e feliz e vou ganhando confiança e estatura à medida que avanço. Mal posso esperar por ouvir o primeiro toque do gongo. O começo é sempre moderado, um aquecimento, uma habituação aos movimentos pouco costumados. Estico o braço direito, punho bem cerrado, nós dos dedos cortando o ar, o tronco acompanhando o movimento do braço para dar mais intenção ao golpe. Preparo uma série de joelhos aguçados e termino com pontapés bem lançados.
Diante dos meus olhos desfilam rostos, ora sorridentes, ora amolgados pela força vingadora da minha sapatilha. Viro-me, troco de perna e recomeço. Ouço as vozes dos que me atacaram e abafo-as com os meus gritos de guerra, dignos dos filmes do Van Damme.
O ar, pobre dele, não me responde e é por isso que, com meia dúzia de golpes e Yahhhhhhhs! eu consigo sentir-me quite com o mundo e com os outros. A sala está cheia de gente que, apesar de concentrada no mesmo que eu e repetindo os mesmos golpes, está imersa num mundo só seu, a curar os seus próprios rancores.
O Body Combat é isso. Uma espécie de Fight Club onde todos se respeitam demasiado para se agredir entre si. Em vez disso, vamos golpeando o vazio à nossa volta, preenchido por cada um ao sabor da sua raiva. Os espelhos vão embaciando, como se a ira se evaporasse directamente pelos poros e se fosse colar ali, visível e apaziguadora.
Chegádos cá fora, ninguém suspeita o ritual que levámos a cabo. É doloroso e cansativo, mas essencial. Terapêutico. Porque não podemos agredir, esbofetear e pontapear abertamente o pessoal que por aí anda, mesmo que mereçam. Aquela sala é confessionário e sanatório, onde descarregamos sem o risco de que outro punho venha desenfreado em direcção às nossas caras larocas.
08/06/2011
Sou triste... mas sou melhor.
Ontem, pelos caminhos sinuosos da navegação na internet, fui parar a este site: Orgulho.me . E apercebi-me de que sou uma pessoa triste... Assim se explica a primeira parte do títalo deste post: sou triste porque li cada uma das frases mais populares e fui incapaz de fazer um Like em qualquer delas... Sou triste porque não tenho orgulho em coisa nenhuma (e as opções apresentadas são todas muito lindas e nobres e blá-blá). Aconteceu que cada uma delas, em vez de me dar vontade de fazer um LIKE, deu-me foi vontade de fazer um sorriso escarninho de superioridade desdenhosa... e assim se explica a segunda parte do títalo...
Pérolas como "Eu orgulho-me dos meus defeitos. São eles que, acima das qualidades, moldam o meu carácter" merecem o prémio Miss "Mas Eu Podia Lá Ser Mais Fofo(a)?". Mas será que alguém, no seu perfeito juízo, se orgulha dos seus defeitos? Só se o defeito for a teimosia, desse já eu aqui falei... Esse não conta.
Muito popular também é "orgulho-me de olhar as pessoas sem as julgar pela aparência. De saber que os rótulos não servem para nada"... Estes quase trezentos marmanjos que fizeram Like merecem um bilhete directo só de ida para o Inferno. A isto se chama publicidade enganosa, meus amigos... Ninguém, repito NINGUÉM pode com verdade afirmar tal coisa porque, mesmo que não queiramos, todos temos um mecanismo que se acciona automaticamente no nosso cérebro e que julga e cataloga quem nos aparece pela frente. Mesmo que sejamos superiores a isso e tratemos toda a gente de igual modo, está lá. Nada a fazer. Não somos tábuas rasas. Temos experiências e memórias e preconceitos. Deal with it.
Olhem outra: "orgulho-me de nunca parar de tentar. Nunca desistir". É falso, gente. Toda a gente cai. Toda a gente desespera. Para nosso bem, temos que cair. Porque além de ser perigoso, não desistir nunca também é estúpido. Se me lancei e fui contra o poste uma vez, epá, acontece... Se fui à segunda, deixa lá, não é grave. À terceira, já é um insulto ao poste.
Particularmente engraçada é "eu orgulho-me de quem faz e gosta de fazer". Haja alegria. O mundo precisa é de gente que faça. E se gostar de fazer, é bónus... Mas daí a eu me orgulhar disso...
E as mais batidas são "orgulho-me dos meus amigos", "orgulho-me de ter alguém como tu", "orgulho-me de todas as pessoas que estão comigo porque, sem elas, não seria quem sou hoje". Isto é de um pedantismo que chega a meter dó... Eu não tenho que ter orgulho por ter alguém comigo. As pessoas têm-se porque se merecem, se entendem e se precisam. Pronto. Ponto. Acharmos que a pessoa X é melhor do que as outras e "ainda bem que é minha amiga" é prova inegável de uma visão do mundo demasiado estreita. E a última frase é o cúmulo; contém dupla infracção, repararam? Além do "ai que me orgulho tanto de ser amigo de Tal", ainda remata com "sem elas, não seria o que sou hoje", como se hoje fôssemos todos grande coisa...
Vá, vão lá ver mais pérolas... A ver se não tenho razão.
Estou cáustica. Atrevam-se a dizer-me que acharam piada à coisa, que eu digo-vos...
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